Todos os poemas
publicados nesta página são de minha autoria (Weslley Barbosa). Muitos deles foram
publicados anteriormente em meu livro As nuances
do mel (2016). É proibida a cópia dos textos sem a devida
referência. No final da página, há uma seção com meus haikais. Caso queira passar diretamente para eles, clique aqui.
PRATO
Opaco prato
que o vazio adensa
e torna enorme, descomunal.
Um prato...
Imenso círculo
envolvendo tudo,
contendo nada.
De louça branca,
um branco impuro,
encardido pelo tempo.
Ei-lo: o prato – sobre a mesa.
Uma mesa desgraçada
que não serve ao de comer.
Raso prato,
que o nada aprofunda
deixado sobre a mesa
um prato...
e só!
Parece parte de um cenário macabro:
o prato na mesa
e só a mesa numa sala
nesta casa de sofrer.
Prato tão seco
quanto seca é a dor por dentro.
Tão seco quanto a vida, o prato.
E, no entanto, é prato,
raso e frio,
prato de nada caber,
pois só o nada existe
nesta casa de sofrer.
O prato...
E assim, tão prato,
vazio e só sobre a mesa
esconde em seu nada
o pranto
dos que ao redor fazem vigília
nesta casa de sofrer.
O prato!
A POETISA
Tomas o lápis nas mãos e o meu corpo treme.
Escreves o poema como quem lambuza de amor o papel
(é com o grafite que beijas, poetisa?).
Desliza a mão sobre a folha
(acaricia o poema)
Esboça um leve sorriso...
Teus olhos brilham.
Estranha mania de fazer amor com palavras!
Ah, teu texto me toca,
Teu texto me convida a sentir
O calor de cada adjetivo.
Eu devasso teu verso com o olhar curioso.
Vou descobrindo cada nuance verbal
Até esbarrar com tua mão
tapando a última estrofe.
Sádica, brincas de adiar o final
(A leitura do fecho de ouro).
Mas eis que, faceira, exibes tudo!
E logo me perco entre versos e curvas:
Não logro saber se o que excita minha boca
São rimas e metros
Ou tua língua ardente.
BREVE PROPEDÊUTICA DE MIM MESMO
Estala com a
ventania o galho triste da mangueira seca.
Uma estrela brilha
muito antes do pôr-do-sol
O silêncio repercute
como um uivo desesperado
Espadas, martelos
(foices?)
Uma flor de cacto já
murcha, pendurada (morta?)
Um sorriso partido
pela incerteza
Outra vez a
merleta sobrevoa a cidade
Outra vez o medo,
o espanto, a dor
Ainda o perfume
naquela esquina perdida
Uma gota de mel
brota no jardim
Na varanda de um
sobrado, um violão esquecido ressuscita o improvável
Toda a filosofia
se apequena diante do olhar de uma criança.
O peixe no
aquário, com olhar tão vivo
O peixe no
supermercado com olhar tão vivo.
O oceano é tão
vazio quando posto numa lágrima!
O que não cabe no
poema é sempre a melhor poesia.
MEU CANTO
Agora eu cantarei o amor e
deixarei
Meu verso alçar os céus,
cruzar os verdes mares.
Deixarei que o meu canto ecoe
pelos ares
E espalhe no universo a lira
que criei.
Agora eu buscarei na terra a
massa fértil
Da qual há de brotar a flor
mais rara e bela
Agora eu cantarei os lindos
olhos dela,
Dissiparei a bruma e a cor
que for volátil.
Conduzirei meu canto aos
bosques mais distantes.
Serei a ave a dar imensos e
altos voos.
Serei o peixe imune a todos
os arpoos
E a voz que se renova em
todos os instantes.
Meu canto há de alcançar os
mais ermos espaços
Fluir em correnteza enquanto
se irradia,
Roubar o mel que adoça a boa
poesia
Criar entre mim e ela os mais
sinceros laços.
Agora eu cantarei a alegre
natureza
O céu todo azulado, os montes
altaneiros...
A água transparente, o mel
dos colmeeiros,
A luz do sol, da lua, em toda
sua beleza.
Agora eu cantarei o amor e
deixarei
Meu verso alçar os céus,
cruzar os verdes mares.
Deixarei que o meu canto ecoe
pelos ares
E espalhe no universo a lira
que criei.
DA ARTE DE MANIPULAR OCEANOS NUMA PALAVRA-GOTA
Estranho é o poeta afogar sensações
nas águas rasas de uma folha qualquer;
estranho é o poeta chover desejo e vida
no céu tão limpo de uma página em branco;
estranho é criar cascatas e correntezas
na monotonia de um igarapé, no papel: poesia.
AS NUANCES DO MEL
Com que cor hei de escrever amor
se nenhum matiz logra
expressar teu nome?
Não esqueças que a poesia tem
seus limites
e no papel, afinal, toda
declaração
vem em preto e branco.
Com que sabor hei de cantar paixão
se em tua boca existe seiva
rara
que pobre léxico
não ousaria alcançar?
Com que perfume hei de
confessar desejo
se teu aroma exala flores,
amêndoas, mistérios?
Existe frasco que te possa
conter,
existe olfato que te resista?
Com que adjetivo hei de
pintar beleza
se teus olhos não cabem em um
tom apenas?
Como limitá-los com castanhos,
se deles jorra uma cascata
caudalosa
que te banha o corpo e
adocica a pele?
Deixarei apenas as nuances do
mel
com suas cores, seus sabores,
seus aromas...
Deixarei cada página com uma
gota de amor
e uma palavra de desejo.
Deixarei cada página banhada
de beleza
e com um gosto forte de
paixão.
E cada cor que minha poesia
trouxer
será uma variação do mel de
teus olhos.
Cada vez que eu cantar a
beleza
será em ti que estarei
pensando
e será para ti o poema,
como, afinal, têm sido todos
eles!
EU, VOCÊ E O MAR
Chegados à beira do oceano,
abracemos o mar sem soltar nossas mãos. Sinta, querida, como nossos olhos
abrigam ressacas de amor... Não julgava possível uma pipa transportar baleias,
nem um sorriso ofuscar o sol. Sorvamos a maresia... Logo te farei um buquê de
sargaços! Prepara-te, pois há outros castelos de areia para conquistarmos em
batalhas épicas. E beija-me, amada, enquanto nos lançamos nas verdes águas
deste imenso mar, que hoje é só nosso!
SONETO DA
PAIXÃO PERENE
Tocar-te e a pele arder, tremer, fremir,
Sentir no peito o agito, a pulsação.
Beijar-te a boca doce em comunhão,
Tomar-te as mãos, depois de te despir.
E com paixão tocar tua pele clara
Unindo os corpos sem nenhum pudor.
Beijar-te os seios sob o véu do amor,
Provar teu mel, como a uma seiva rara.
Ao fim do amor, felizes, sublimados,
Quedarmos juntos como namorados,
Igual fizemos na primeira vez.
Parece ontem que te conheci,
Pois todo dia me fazes sentir,
O imenso bem que teu amor me fez.
O SORRISO
Desponta esboço tímido, luzente.
Dos rubros, doces lábios, projetado
(exânime, era como se formado,
no sono mais profundo, embora
ardente).
E foi ganhando brilho... lentamente...
Qual luz que se acendesse ao meu lado.
Seu rosto, chamejante, colorado...
E o colo que arfava, indolente.
Mas eis que, finalmente, em alegria
Seu peito transbordava, ela sorria...
E o meu acompanhava, em pulsação.
Seus olhos marejados refletiam
Os meus, que ao seu lado descobriam,
As cores verdadeiras da paixão.
O PENHASCO
Raízes enroscam as rochas
a terra suando mistérios
ramagens...
As flores precipitando...
E no galho seco
um ninho de pássaro
desafiando o penhasco.
COR DE
PELE
Das cores, a mais bonita
é a cor de tua pele.
Tua pele negra
que só vejo em contornos
à meia-luz,
tua pele dourada
sob o sol, sobre o mar.
Tua pele alva refletindo a lua
nas madrugadas, nos jardins...
Tua pele cor-de-jambo
ardente de desejo e paixão
sob os raios do sol poente.
Tua pele cor de mel,
tua pele cor de céu...
Tua pele policrômica,
cor-de-amor,
cor-de-mulher!
Adoro tua cor,
cor de tudo,
colorida:
Cor-de-vida!
PROCURA
Eu busco um verso que nos possa alçar
Às brancas nuvens, à mais bela estrela.
Eu busco um verbo com o qual dizê-la;
Versar seu corpo, feito do luar.
Procuro o tom que a sua voz expresse
Em sinfonias pelo mundo afora.
Eu quero a paz que do seu peito aflora,
Toma minha vida e minha alma aquece.
Eu quero a rima mais perfeita, rara...
O metro certo que irá contê-la.
O adjetivo com que a irei cantar.
Eu quero a rosa que do amor brotara
Eu quero amá-la e jamais perdê-la
Quero perder-me neste seu olhar!
AS PERNAS
Taças
pendiam ébrias do firmamento e dois livros ainda abertos a um canto gritavam o
quanto de Libertinagem havia naquele Jogo de sentidos. Roupas pudicas
largadas sobre o sofá, sob a mesa, ao lado da cama. Nesta última, suas
pernas... Somente elas, caminho para Pandora. Suas pernas suspensas, sobre a
cama, que flutuava.
O SOLUÇO
Um soluço rompeu o peito
E espalhou-se pela casa,
A cidade, o mundo.
Um soluço seco, firme,
Mantido em compasso,
Cadenciado e angustiante,
Cujo eco causava calafrios de pavor
E gemidos de incerteza.
Só o soluço
a propagar-se pelo mundo.
Cada vez mais intenso,
Cada vez mais soluço.
A cada novo espasmo
um forte ruído,
Um tremor de terra, os gritos.
A cada novo espasmo o fogo
Os destroços, o caos...
O pranto.
Mas não caiam lágrimas:
Só havia o ódio.
O PALHAÇO
Risos, risos, risos.
Na plateia a criança
Alegre assistia.
Palmas, palmas, palmas.
Encanto, magia, beleza
Público em êxtase.
Mas, oh! Quedou-se a persona
E o palhaço, coitado,
Pesado de angústias e dor
Afundou com o picadeiro.
CLAIR DE LUNE
A lua beijando com seu brilho a mansidão do mar
Ondas acariciando a terra fofa
Tomando aconchegos...
Uma sinfonia de águas contra rochas
e coqueiros ao vento...
Teu corpo nu, deitado na praia
Se revelava pela lua e para a lua
Numa comunhão perfeita.
Minhas mãos deslizaram por tua pele
e arfavas a cada toque.
Completamos a noite bailando compassados,
nossos corpos como um só,
ao som dos pássaros, que já anunciavam o raiar do dia.
O CÂNCER DE ÉDIPO
Um nojo de tudo e um
arrepio letal tomavam-lhe havia tempo. Flores murchas brotavam em suas mãos e
adiantavam um tempo não muito distante. Todo espelho aos seus olhos era vazado
e, embora tentasse, não conseguia tocar-se. A ferida aberta, câncer cruel e
incurável, chegava-lhe todos os dias com o jornal. E mesmo à noite, enquanto a
cidade dormia, as luzes vinham empatar-lhe o sono. Cansado de lutar contra seu
maldito destino, pobre Édipo, furou os próprios olhos com as garras do último
urubu. Encontraram-no um dia, em sono profundo e com ar de Gioconda nos lábios.
BARQUINHOS DE PAPEL
Mas é que invadiu o nosso
quarto
o perfume da última flor.
E enquanto lá fora
afundavam os barquinhos de
papel,
construímos, com os destroços
de nosso castelo,
uma ponte...
Aquela que nos faltava
SUSERANIA, VASSALAGEM
Tu, meu feudo medievo, fortaleza.
Legião carolíngia em fúria,
Castelo bizantino de pedras,
Paladina sob véu de querubim.
Eu, vassalo de ti,
Dou-me à forca ou guilhotina
No porão do meu sentir.
Calabouço de amor, o eco de tua voz...
... Cantiga de amiga.
(setembro de 2011)
ACONTECIMENTOS
EM TORNO DE UM POEMA
Uma gota cai sobre a pétala da açucena
Não sei se é de suor
ou de lágrima formada...
Talvez seja um pingo de mel, quem sabe?
Os carros buzinam
exasperam, impacientam-se...
Ou talvez toquem uma sinfonia.
E a menina lê para o pai
um poema sobre uma lagarta
Transeuntes riscam a calçada
seguem apressados, atrasados, impacientes...
Ou apostam corrida...
Brincam de pega-pega...
O poema fala da lagarta
era uma lagarta ou um pássaro no poema?
A menina disse que era lagarta.
Mas ela voava, voava, voava...
SILÊNCIO
Quando as palavras calam
apenas os olhos falam
a língua do amor.
UMA FLOR
Pétalas
caídas
outras
sem brilho, sem vida.
Chorando
triste as últimas gotas de orvalho.
Até a
borboleta amarela
passou
por ela orgulhosa
dando
rabiçaca e estendendo a língua.
Sem
perfume e sem beijo a flor, por fim, entrega-se...
Mas a
quem?
TEMPLO DE AFRODITE
Agora
que nos encontramos, vem,
Viver,
comigo, enfim, a história infinda.
Esgarça
o peito a dor de amar-te ainda
E
ser, Amor, pra sempre, teu refém.
Uma
outra vez, ainda, vem... Me ensina
A
navegar o mel dos olhos teus.
Espanta
a bruma, excita os sonhos meus
Dá-me
o sorriso que mi’a vida anima.
Uma
outra vez, Amada, vem... me diga
Palavras
doces, confissões amigas...
Conta
o que sentes no teu peito agora.
O
teu olhar, eu sinto, me permite
Beijar
teu corpo inteiro, noite afora,
Fazer
de um quarto o templo de Afrodite!
POÉTICA
Assim eu quereria o meu primeiro poema:
Que tivesse o desprendimento
do menino que, desembrulhando o videogame,
prefere brincar de estourar o plástico bolha.
CALEIDOSCÓPIO
ladrilhos
mosaicos
as cores
os brilhos
os muitos
amores
vermelhos
lilases
frações
espelhos
fugazes
lições
paixões
desejos
lampejos
faíscas
ariscas
de luz
as ânsias
azuis
e os verdes
anelos
retalhos
singelos
vibrantes
assim
palpitam
se agitam
pulsando
em mim
POCINHOS
Uma cidade entre as pedras, com
rochas moldada,
arquitetando o sonho de alçar os
altos píncaros.
Uma cidade cuja solidez é estado
de espírito
— construída com mão firme e
braço forte —
irradiando-se pelo Cariri como
altivo cantar.
Uma cidade onde os poços, nas
pedras moldados,
guardam esperança e amores,
tal como o coração de seus
jovens.
Uma cidade onde o vento eriça a
pele e alenta a alma
acariciando o viajante e
convidando a voltar.
(Pocinhos, outubro de 2015)
PERDÃO
Sonhei passado, acordei solidão.
Ao lado, seu lugar vazio, gelado...
Na boca, a palavra não dita: perdão.
PRESTANDO QUEIXA
Ontem te vi novamente
pus o coração no bolso
mas não quiseste roubar.
DEVANEIO
Quisera ter-te, embora brevemente.
Tu, ávida e arfante, pedirias
Meus beijos e, aos suspiros, sentirias,
Fazer-se o instante um sempre… eternamente…
Quisera estar contigo novamente,
Ouvir de novo a voz que me aprazia.
Ver renovada a chama que aquecia
Meu peito que hoje sofre indolente.
Mas sei que é ilusão o que desejo.
Teus beijos já não posso esperar,
Teu corpo, ansioso eu busco em vão.
Meus olhos te procuram e não te vejo.
Mi’a boca nunca mais te vai beijar.
Meu corpo diz que sim... E o teu que não!
(maio de 2019)
ON THE ROCKS
Exagerou no uísque
Rachou a testa nos paralelepípedos da calçada.
O RELÓGIO
Ah,
o relógio...
No
carrossel do tempo
o
menino que sou gira
morrendo
aos poucos enquanto se deixa embalar.
A CADEIRA
VAZIA
Um perfume antigo
paira nesta rua.
Um antigo aroma, cor
de brincadeira.
Quando ela sentava na
velha cadeira
Pintava o aroma doce
desta rua.
Eram cores vivas com
que ela tecia
O cantar dos pássaros
no entardecer.
Daquela cadeira ela
me viu crescer
E com seu sorriso
meus dias tecia.
Com ela aprendi a
velejar co’s olhos...
Criar borboletas na
palma da mão.
Com ela voei sem erguer-me
do chão...
E julguei que a vida
nascia em seus olhos.
Pensei ser eterno meu
sonho encantado.
Mas hoje, sem ela,
esta rua está triste...
Apenas a bela
lembrança persiste:
Este doce aroma, de um tempo encantado.
UMA ROSA
Uma rosa como brotar poema, tal qual a cor
vermelha, de tão paixões sentir, de
desejosa...
Espinhos, com dengos de fazer doer, de
maltratar!
A bela... verbo ferino, de caule forte,
verga?
Uma rosa de incontornáveis versos... as
muitas rimas...
Desabrocha (fértil seara, divino oásis?) num
par de mãos.
Tão rosa, de tantos seres, tantos agires...
adjetiva!
Regada (em regaço, colo, seio?), lacrimal,
chove?
Uma rosa de ser aromas, adverbiando pétalas
o orvalho, o brilho... rebrilha; na mente;
ideia?
Como medir roseira, escandindo? Cesuras?
Como saber de um verso o cheiro? Sabores?
Uma rosa que riscasse a página, enraizando
sonhos...
Os muitos ramos - criando amores - projetados
para o sempre.
Um botão que surgisse mínimo, contraído de
querenças;
depois inflasse, ganhasse vida e viço, no
jardim-poesia.
(Maio de 2016)
EIS
A QUESTÃO
Inúmeras
partículas de poeira
sobem
constantemente
seguindo
a luz do sol
que entra
pela janela aberta.
Procissão
ou abdução?
Eis a questão!
LABIRINTO
Aceitando meu risco,
refaço com o sarro das horas
perdidas
o labirinto dos dias.
Auscultando inerme e às cegas os
corredores sombrios,
gasto, inutilmente, as últimas
migalhas do pão
que nem o diabo amassou.
Revolvo, tateio, esbarro nas
arestas...
Enquanto o passado se dissipa a
cada nova esquina,
me divido e embaralho, nas rimas
de cada atalho
rumo ao nunca.
Numa reentrância dou com os
chacais
que devoraram meu último
minotauro.
Ofereço-lhes também meus olhos...
Já não quero (nem posso) fugir.
Onde mais me perco, mais me
confirmo.
TEU CORPO
Teu corpo desenha no espaço
as formas do mais tenro
espectro
(te vislumbro, embora não
decifre:
etérea bruma).
Já feita vento,
me afagas (miragem?).
Esqueço, embora breve sonho
(posto que volátil),
que não te possuo.
Estás em tudo,
ao passo que não és.
E não sendo sempre, te eternizas:
constantemente aqui — a tua
ausência.
PÊNDULO
o
pêndulo da poesia oscila em mim
mas,
oh, é um pêndulo de só ir,
sem
jamais encontrar o ponto de onde voltar...
não
há retorno porque não há chegada
não
há um centro onde fixar o fio...
(como
tecer um fio de poesia?
um
fio de ouro ou algodão, seda ou linho?
teia
de aranha que faz rapel descendo do teto de uma biblioteca
ou
fio de cabelo branco, de muitas histórias a contar?
um
fio de vida nos olhos tristes de um cão idoso
um
fio de água brotando da nascente
ou
fio de esperança no coração de uma criança...)
o
calor da poesia aquece minha alma
mas
onde a brasa ou fornalha
se
o que vejo são cinzas e uma faísca perdida?
onde
a chama que incinerasse as dores
onde
o sol, onde a lua? onde todos os astros?
é
magma nas veias, invisível, com todo sentir...
é
rio que corre em círculos, rio sem foz
rio
sem fim e sem volta, rio de ser infinito...
como
infinito oscila o pêndulo
sem
ponto fixo e sem retorno — não periódico...
seu
fio, cuja matéria não logro decifrar,
se
alonga... se alonga...
e
é sempre um tempo perdido
é
sempre um tempo absurdo.
um
tique sem taque,
um
prolongar-se no nunca
e
ser sempre presente sem fugir do passado.
e
é... eternamente, diluindo as horas...
as
horas mortas!
CARTA PARA DUAS CRIANÇAS
para Letícia e Heitor
Não
é tão faz de conta assim: sabem aquele castelo de bloquinhos? Às vezes eu me
escondo do mundo lá dentro. Sabem quando eu vos abraço? Na verdade, sou eu quem
me aconchego. A bola, quando quica pela casa, repercute no seu tum-tum o pulsar
de meu coração na alegria de ser criança novamente. Aprendi com vocês que as
boas experiências, assim como um desenho animado, mesmo quando repetidas
centenas de vezes, têm sempre algo de surpresa.
VIAGEM
um beijo
um aceno
uma lágrima
no aeroporto vi partir
um poema ainda inacabado
ODE AO VINHO
Oh,
saboroso e doce néctar, cai
E
a transparência do cristal embaça.
Tinge
de rubro este sensível bojo.
Inunda
a taça!
Ah,
tuas delícias, teus sabores mil.
O
teu torpor, que a todos nós enlaça
Faz
maravilhas em meu ser, me alegra.
Inunda
a taça!
Possamos,
suco de escarlate cor,
Sorver
o aroma que do mosto nasça:
O
teu perfume, que me atiça o olfato...
Inunda
a taça!
Mi’a
língua ferve ao toque doce ou seco.
Escorre,
oh suco, do gargalo! Faça
Em
transbordante jorro encher-me a vida.
Inunda
a taça!
Vinde
saciar-nos com teu sumo, oh Baco!
Dá-nos
o líquido que a tudo esgarça!
Oh,
vinde a nós, não custes mais, jorrai.
Inunda
a taça!
SONETO DA
RECONCILIAÇÃO
Foi com amor enternecido o canto,
E com sorriso fez-se a noite dia.
O toque leve deu a sintonia
E a melodia dissipou o pranto.
A voz suave era o acalanto
A embalar tudo o que ele sentia.
A negra túnica o amor despia
Regozijava quem sofrera tanto.
As mãos atadas coreografavam
A bela dança sob o véu do amor
Os beijos quentes davam pulsação.
Os corpos trêmulos na cama arfavam
O quarto agora já tomava a cor
Que irradiava de seu coração.
A CHUVA
sempre que chove
e chego à janela
um cheiro
intenso e doce
lava minha alma
sinto o mormaço
sorvo o perfume
as gotas condensadas
lavam meu coração
a terra molhada chia
o mato dança
sob os pingos
e o roçar do vento
algo que não distingo
pula para o jardim
e se joga
numa poça d’água.
Em pouco tempo
já se afoga em alegria
é um menino
e o menino sou eu
SUPREMA
ARTE
Eu disse amar
E o verbo se fez carne
Eu disse paixão
E a carne se fez verso
Eu disse teu nome
E o verso se fez arte.
APENAS
ALGUMAS PALAVRAS SOBRE ÁRVORES E PÁSSAROS
É que havia uma árvore cuja copa,
invertida, fora a parte que puseram no solo e ela assim estava, desde sempre. Suas
raízes, expostas, esvoaçavam ao vento. Certo dia, juntou gente em volta da
árvore, com a curiosidade atiçada pela terra que se remexia próximo ao caule.
Em pouco tempo todos viram, admirados, sair dali um pássaro, que se sacudiu
para livrar-se da areia, voou até uma raiz, observou em volta, cantarolou algo
e partiu... Uma menina comentou com o coleguinha: “os filhotes cresceram!
Lembra que vimos o ninho no dia em que cavamos para pegar frutas?” Em seguida,
foram brincar na praça.
A CARTA
As cinzas da carta
caiam da janela do apartamento
chovendo saudade
na insensível rigidez do asfalto.
XOGUM NO
CYBER CAFÉ
A não-fronteira enclausurada
caixa de brincar de sempre-ser.
Sirena, querubim? Lúcifer!
Narciso em rede social.
Peixe livre de rede...
Preso na tela durante breve pausa:
aquário moderno!
O nada
o tudo
quando?
Nunca!
E eu... Senhor disso tudo
ou seu simples servo?
Mera ilusão de poder.
O imperador exige lealdade
ou expulsa o Xogum?
- O tempo acabou!
(novembro de 2008)
OUTRAS PRIMAVERAS
Nosso amor não acabou.
Apenas a flor murchou...
Virão outras primeiras!
AMPULHETA
Qual amaldiçoada ampulheta
sinto escorrerem de meus olhos
lágrimas secas como grãos de
areia.
Caem sobre o solo pausadamente
num ritmo que atormenta e emudece
caem pesadas, como marteladas
agudas no aço frio.
Levam consigo as dores das horas
perdidas
e os martírios dos dias de
solidão
afogando qualquer desejo de
sonhar o amanhã.
Ah, mas têm ritmo: o da macabra
sinfonia.
Umas tilintam, outras bradam, mas
soam
e o seu som me causa tremores e
calafrios.
É o som do tempo que ouço
um compassado e lúgubre agouro
segundo a segundo, lágrima a
lágrima.
Tempo, tempo, triste tempo
como o badalar de um sino de
matriz...
tempo, tempo, como dói.
Tempo, tempo, pesado tempo
quanto mais te verto destes
infelizes olhos
mais sei de ti, mais te meço, e,
por isso, choro!
CRISTAL
QUEBRADO
Tal como cristal quebrado,
quedou-se com o corpo em cacos.
Estava seminua,
embora trouxesse na alma
a pureza e a delicadeza de sua pouca idade.
Suava asco e sangrava ainda o líquido viril.
Chorava.
Partida e devassada...
Descartada como lixo
na calçada suja de um hotel.
Estava só...
e era invisível!
QUINTANIANA
No meu bairro,
sempre que chega a aurora,
pássaros e aviões dão voos
rasantes
É um porre morar próximo a um
aeroporto!
Mas, como só os pássaros podem
fazer no poema um ninho,
Os aviões passarão
e a poesia passarinho.
BAILARINA
I
Girou, dançou e brincou.
Depois, co’a mesma leveza
foi bailar em outro palco.
PALAVRA-CHAVE
Desperta,
novamente, ao grito hostil
e
logo está buscando inspiração
embatem
suas ideias na fusão
do
puro sentimento com o vil.
Não
sente mais o sopro pueril,
não
lhe toma a vibrante inspiração
não
doma mais o verso na escansão
não
acha mais a rima, que se foi.
Cansado,
apaga tudo e recomeça
tentando
achar na sombra mal formada
uma
palavra-chave que abra portas.
Mas
o verbo reluta, se dispersa.
Sua
lida nunca há de dar em nada
e
ele escreve errado em linhas mortas.
IDÍLIO
As cabras cruzam a terra seca
rumo ao pequeno açude, onde matar
a sede.
O sertanejo vê o cinza ao redor
e segue firme, confiante.
Ele sabe que a vida não morreu,
apenas dorme,
e que cada galho seco é verde em
potencial
esperando as primeiras chuvas
para tingir de esperança o seu caminho.
ELO
PERDIDO
Se a ponte desaba
o rio é
abismo;
O cabo rompido
de aço
não era;
O beijo esquecido
não molha
a boca;
As mãos separadas
não
tremem nem gelam.
GÊNESIS
Do
círculo esboçado em branca página,
Traçou
logo o hábil artista um belo seio
E
a forma no papel criou relevo.
O
artista prosseguiu, sem ter receio.
Com
curvas foi traçando a silhueta
Marcando,
assim, as linhas mais supernas.
Com
voltas, caracóis, fez o cabelo
E
pôs em sua musa longas pernas.
Envolto
em sua arte e a envolvendo,
De
sombras e esfumaços fez o sexo.
De
luzes um sorriso se formou.
A
musa entre as pernas o prendeu.
A
obra, estando pronta, o enfeitiçou,
Do amor, o mais sublime
conheceu.
PARA UM
POETA
(mas ao meu jeito)
Rio sem água
é poeta sem palavra
cessado o jorro da límpida correnteza
retesa a língua
enguiça a goela
empaca a pena.
Resta a pedra, palavra
solta
pedregulho, verborragia.
Poeta seco
só encontra pedras
perdido o rumo
des-curso ao léu.
Somente as pedras
presas na língua
somente as pedras,
perdidas no caminho
somente pedras no caminho
e o poeta fatigado
segue vagaroso e de mãos pensas
avaliando...
Ora, mas não era pra Drummond o poema!!!
AS PERNAS II
Pernas que cruzas e brincas
mudando de posição.
Naturais, sem academia.
Uma ou outra celulite:
adornos que atiçam meu
desejo.
Marcas de vida,
de humanidade,
feminina: mulher!
Pernas roliças e belas
firmes e macias,
ideais para minhas mãos.
Pernas, pra quê te quero?
Bem sabes...
E por isso atiças!
COR DE
MEL
Teus olhos são cor de mel
e se os ponho no papel
dão sabor à poesia.
SÁBADO À
TARDE
Um tímido sol surge entre as nuvens.
Da janela vejo dançarem com a brisa
os galhos que há pouco a chuva molhava.
Lá embaixo, na rua,
um menino sai para brincar com a bola...
Aqui dentro, teu corpo
meio revelado entre os lençóis.
Um pássaro voa para o leste...
As calhas ainda gotejam.
Se houvesse flores por aqui,
certamente alguma borboleta surgiria.
Eu fecho os olhos e sinto
A vida invadir lentamente meus pulmões...
Cheiro de terra molhada!
Há pouco chovia
e tudo estava quieto...
Apenas nossos corpos pulsavam,
mas era de amor que nos banhávamos.
A BIBLIOTECA À NOITE
Ponho
Bach com volume baixo. Nossos filhos dormem... Esboço uma dancinha ridícula,
ela sorri e me olha com carinho – sabe que é só para ela que faço gracinhas. Há
pouco era Legião Urbana, depois Janis Joplin. Quis degustar um uísque, pus a
primeira dose. A biblioteca à meia-luz... Passeio em frente às estantes. A
sombra não deixa ver os títulos das prateleiras mais altas. Um avião passa
rasante, depois posso ouvi-lo pousando. Merletas curiosas sobrevoam o recinto
enquanto grifos imponentes vigiam meus maiores tesouros. Tomo o volume da Poesia completa de José Paulo Paes,
depois os livros de história, os de filosofia... Spinoza, bela brochura. Pego o
São Bernardo: lembra que fomos
comprar juntos, para o vestibular? “2005”. O passado invade a biblioteca e traz
consigo perfumes, mistérios, personagens de uma história perdida no tempo... Mas
hoje é dia de poesia! Outro avião (mas este levanta voo). Nova dose de uísque. Sento-me
para ler alguma coisa de Vinícius e dois ou três poemas de Neruda. Hoje cedo
boa aula, os alunos participaram bastante... “Lê Morais, aquele do ‘meio
filho’”. Capa branca com foto de duas crianças no meio... Persona... Ah, Assunção: Entre beijo e boca: ranhuras. “Forte,
sensual”. Brinco novamente, ela sorri. Ponho mais uísque no copo. Seus olhos
castanhos brilham... Deixa que eu mergulhe, ó musa, nestes lagos de mel que tu carregas!
Quem sabe assim não alcanço decifrar os recônditos da tua alma? “Bobo!” Não, um
clown de Shakespeare, sem lirismo comedido, como queria Bandeira. “Pneumotórax?”
Poética! Mas prefiro a Última canção do beco... Percebes que
esta biblioteca também está suspensa no ar? “Vou dormir”. Já chego lá. “Não
exagera, tá?!” Levo alguns volumes para a poltrona: Claro enigma, Dispersão...
Mas é com Florbela Espanca que eu termino a noite. E como espanca, pois
adormeci e só acordei na manhã seguinte! Bach já tinha acabado no som e agora
eram só os carros lá fora que eu ouvia. Uma baita dor no pescoço. Vou para a
cama, ela acorda: “por que não vieste?” Desculpa, amor, dormi com Florbela...
Mas não me dei bem!
UMA
CALÇADA DE LADRILHOS
Era uma calçada de ladrilhos
e o menino ali brincava, com seu
patinete
no fabuloso devaneio de,
quadrinho a quadrinho,
encontrar o caminho para a lua.
Havia inocência e esperança
em cada um de seus movimentos.
Um dia passou um jovem
vinha abraçado a uma bela moça.
Caminhava sem dar conta do
menino.
Sorria e meninava, com sua
formosa namorada.
Havia desejo e paixão em cada um
de seus beijos.
Depois veio um homem
pasta na mão, olhava o relógio
enquanto seguia para o trabalho.
Esbarrou no menino do patinete,
que caiu.
Com a queda, alguns ladrilhos se
desprenderam da calçada.
O homem esbravejava.
Havia incerteza e cansaço em seu rosto.
Por fim veio um velho
ele tropeçou nos ladrilhos soltos
e fê-los voar.
Caiu, mas não esbravejou. Riu
para o menino.
E ficaram os dois observando os
ladrilhos
suspensos no ar.
Havia inocência e esperança em
seus olhos.
Os ladrilhos, o menino e o
velho...
Eles eram um só...
E flutuavam!
EXALTAÇÃO A CAMPINA GRANDE
Campina, por tuas ladeiras passeio,
como se brincasse de montanha russa,
qual criança num parque encantado.
Quantos sonhos navegados
através das águas de teus açudes!
Quantas dores choradas
sob teu céu azul,
sobre tuas serras verdejantes!
Ah, grande e bela menina...
Poema de amor e beleza
forjado com o choro
da mais astuta sanfona.
Ah, teus muitos recantos...
Tanta história a contar!
Quanto de minha saga, Capital da Borborema,
tem seguido a inspiração
dos valentes tropeiros
que primeiro acolheste?
Talvez eu tenha herdado de tua geografia
os meus altos e baixos.
Talvez eu tenha aprendido com o teu clima
a passar do calor da paixão
ao frio da solidão
no espaço de duas rimas.
Talvez venha de tua pouca modéstia
a minha megalomania.
(e eu também gosto de te imaginar metrópole)
Ah, quanto prazer em conhecer tuas proezas!
Se prosperaste com a riqueza do ouro branco,
soubeste ser-lhe grata e, sagaz,
emprestaste a ele a cor parda da pele
e a força da fibra de teu valente povo.
Eu gosto de aventurar-me por teus espaços!
Como é bom perder-me
entre tuas ruas e vielas...
E, sorvendo a agradável brisa de tuas noites,
Sinto-me vivo e feliz.
Sinto-me em casa!
Orgulho-me de ser teu súdito fiel.
Salve, Rainha!
Quanto da força de tua terra
anima o meu caminhar?
Quanto de tua luz inspira meus versos?
Saibas que, sempre, a tua sede
será também a minha sede,
como tuas dádivas
sempre foram minha fortuna.
E há de ser assim:
na alegria e na tristeza
até que a vida nos
separe!
IDÍLIO II
O
sol se despede do vale com um último beijo quente
no
Leste, o céu já começa a arroxear
o
campo é tapete verde tecido pelas últimas chuvas.
As
vacas pastam tranquilamente, esperando a brisa da noite
descendo
a serra, ao longe, vem chegando o vaqueiro
trazendo
consigo um bezerro que se desgarrara.
Ele
vem conversando com o animal.
Até
sorri, talvez para mostrar que não há ressentimento
para
com o fujão.
O
bezerro apenas segue-o, rebolando a cada passo.
Ele
agita a calda.
Em
seu pescoço, o chocalho:
blem,
blem, blem...
Ou
será a capelinha do sítio anunciando as seis horas?
O
vaqueiro ainda conversa
e
agora até assente com a cabeça.
Talvez
o bezerro tenha afirmado algo
que
ele sentira a obrigação de referendar.
Quem
sabe?
O
campo tem seus mistérios...
E
segue o badalar, cada vez mais forte.
O
vaqueiro olha para o céu,
vê
a lua fluorescente que já vem se impondo
e
se benze.
A
noite quase toma conta de tudo
uma
porteira se fecha e o chocalho cala.
tudo
cala!
Só
os grilos embalam o sono de todos.
(fevereiro
de 2016)
MEU GRITO
Embora do amor conhecesse a fria
face,
tomei coragem e parti rumo à
outra:
a da ardente fornalha.
Tenho amado, e tanto, que não sei
ao certo
o que em mim é cor ou sorriso
desbotado
(espectro mal delineado do que
nem conheço).
Mas amo (e isso basta!)
carregando comigo todas as cartas
de amor
e todos os poemas de perdão.
Sim, amo estranho,
amo em vendavais e berros,
embora às vezes grite
e eu mesmo não me escute.
Amor legal seria o comedido,
Quintana?
Não sei amar assim, baixinho...
Em silêncio que ame a pedra (ou o
bilhete)!
Eu sou gente. Sou homem!
E enquanto houver amor em meu
peito
gritarei.
Mesmo que só para ela,
mesmo que sussurrando ao seu
ouvido,
gritarei!
Mesmo que com as mesmas palavras.
E a cada vez que grito
e a cada vez que chamo
ela me responde
inventando um novo sorriso.
COLMEIA
Do mel a fonte
doce, perigosa...
Como te acercar,
como te tomar
(domar?)
se tão arisca?
Como desvendar
teus favos?
Como sorver
teu néctar?
Como te pôr
a mão?
Os teus sabores,
como alcançá-los?
Como lambuzar-me?
Como descobrir-me teu
e tu minha,
se inacessível?
Selvagem,
me repeles.
Suculenta,
me seduzes.
Eu te admiro
e não ouso.
O teu sabor
jamais!
Mas como não te desejar?
Indomável
indócil
insubmissa...
Feminina:
colmeia.
BAILARINA
II
Sem teu suave bailar
o tablado dos meus sonhos
é hoje palco de lágrimas.
EMPATE
Cartas na mesa...
Ninguém foi vencedor
No jogo do amor.
ENTRE RIO
E MARGEM
Entre rio e margem
um elo perdido
fronteira de nós.
Tu, fluindo apressada tentando fugir
eu, marcando tua rota,
teu leito (meu leito?)
Entre rio e margem
nada
promessa de encontro
apenas furtivo
...amor
dissoluto
QUANDO OLHO PRA VOCÊ
Para Juliana
Quando olho pra você
mergulho no mel de teus olhos
rumo ao infinito
colorido pelo nosso amor
passeio por tuas curvas...
Universo de desejo e mistério
estranha força a sugar-me
para junto de ti
cascata de paixão
libido ardente.
Giganta... Toda fúria e afago
aliada em meus mais astutos
crimes
juíza a condenar-me também.
Quando olho pra você
vislumbro o mundo
transfigurado...
Reconstruído...
Teus olhos refletem um novo
mundo,
só nosso!
Um mundo doce
reconstruído ao nosso modo de
viver
ao nosso modo de querer
ao nosso modo de amar.
(setembro de 2004)
O
VIRA-LATA
O poeta como um cachorro de rua
Pelas esquinas
Vira-latas
O poeta como um cão sem dono
Sem coleiras
Sem quintal
O poeta que corre solto
Um viramundo
(e sabe que esse mundo é seu)
O poeta que ronda a noite
Que sonda os espaços
E ausculta, mexe, cava... E fuça... Fuça...
Um poeta sem rei
Um poeta sem lei
Um vagamundo!
Um poeta como um vira-nadas
Um vira-palavras...
Mas é livre, e por isso segue!
(Pocinhos, fevereiro de 2016)
O
ASTRONAUTA
E eis que me agarrei à calda
deste cometa
Para, desde então, vagar pelo
universo afora.
Tenho o tempo que for
necessário...
E a viagem é longa!
Os guarda-chuvas agora estão
fechados.
Nunca é um disco voador:
É um globo da morte o que gira
ali.
A terra é vermelha aqui de cima:
Cálice –
de vinho tinto... de sangue!
CALIGRAFIA
Embora
errante pena,
que
a mão púbere empunha,
assume
a eterna lida:
profanar
branca página
com
invisível verso.
E
as palavras vazias,
se
garatujas rotas,
nada
podem guardar
além
do caos. E ele,
artista
insano, insiste.
Esbraveja
e apaga.
Põe-se
outra vez na sina.
Talvez
ele acredite
que
pode ser possível
um
dia terminar.
BAILARINA
III
Parecia ser tão bela
Aquela dança singela
Mas era tudo ilusão.
O BEIJA-FLOR
Em golpes rápidos batia as
asas
Pairando leve sobre meu
jardim
Sorvia a rosa, o hibisco, o
jasmim,
Depois partia para outras
casas.
Logo voltava, como que
sofrendo
Grandes saudades, das amadas
rosas
Todas vistosas, todas
saborosas.
E o doce néctar ia assim
bebendo.
São tantas aves que vejo
passar
Sobre esta casa em seus voos
tão altos
Riscando os céus em toda
imensidão.
Mas és só tu, amigo, em teu
voar
Baixinho, rápido, em
sobressaltos,
Quem traz encanto ao meu
coração.
UMA
ODISSEIA NO ESPAÇO
se um dia cair o mundo
num buraco negro
desses que têm aos montes no universo
e perdermos o rumo e a esperança...
por favor;
acendam ao menos uma vela
pois o poeta tem medo do escuro!!!
OLHOS DO CORAÇÃO
Seios pequenos, rijos
apontam, acusam...
Incriminam até.
Seios fartos, sedosos
convidam, aprisionam
o mundo dentro de si.
Sejam intumescidos
sedentos, pedintes...
Lactantes, por que não?
Se os olhos são as janelas da
alma
os seios são os olhos do
coração;
implacáveis medusas
a petrificar-me, enfim,
quando os toco com a mão.
O ÚLTIMO VOO DO GRIFO
Ei-lo à beira do abismo hostil
o peso nas costas é a vida inteira
que dói, atormenta, martela, maltrata...
Só raios vorazes
e o brilho dos canivetes rompem as trevas.
O voo no nada é novo suicídio.
Perdidas as asas,
corpo de fera nada vale.
EPÍLOGO
Eu quis um verso sincero
como o amor de uma criança.
Eu quis um verso forte
como tronco de imponente baobá.
Eu quis um verso intrigante
como a escuridão do mar profundo.
Eu quis um verso belo
como olhos cor de mel...
Mas, vejam: já estou novamente
falando dos olhos Dela.
Meu último verso,
como todos os outros,
é um verso de amor!
____________________
HAIKAIS
Na praia uma pipa...
No céu, ela voa ao léu
e as nuvens dissipa
***
Manhã de inverno
o orvalho brilha nas folhas
jardim estrelado
***
Na janela a mãe
com a filhinha nos braços
o mar acalenta
***
Chegou primavera
duas árvores se beijam
encostando os galhos
***
A chuva caindo...
Linda pétala rosada
alegre se agita
***
Um duplo arco-íris
desenha cores no céu
cada arco um pincel
***
Uma sombra voa
rapidinho sobre o chão
e a ave no céu
***
O pé de acerola...
Ao vento as frutas se movem
corações dançando?
***
Sol incandescente
reluz e a todos seduz
no céu do poente
***
Um beijo na noite:
lua minguante sorri
ao casal de amantes
***
Rio desce a serra
na manhã de primavera
repleto de pétalas
***
Os pingos da chuva
como fogos de artifício
explodem no lago
***
Palmeiras-reais
se agitam na tarde fria
dando voz ao vento
***
Os flocos de nuvem
no céu, pelo sol dourados...
São favos de mel
***
No verão o açude
secando desenha a terra:
faz um labirinto
***
No inverno o rio
encharca os sulcos da terra
e espalha esperança
***
Na noite de névoa
as nuvens beijam a terra
e a lua cochila