Poemas

 

Todos os poemas publicados nesta página são de minha autoria (Weslley Barbosa). Muitos deles foram publicados anteriormente em meu livro As nuances do mel (2016). É proibida a cópia dos textos sem a devida referência. No final da página, há uma seção com meus haikais. Caso queira passar diretamente para eles, clique aqui.

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PRATO

 

Opaco prato

que o vazio adensa

e torna enorme, descomunal.

 

Um prato...

Imenso círculo

envolvendo tudo,

contendo nada.

De louça branca,

um branco impuro,

encardido pelo tempo.

 

Ei-lo: o prato – sobre a mesa.

Uma mesa desgraçada

que não serve ao de comer.

 

Raso prato,

que o nada aprofunda

deixado sobre a mesa

um prato...

e só!

 

Parece parte de um cenário macabro:

o prato na mesa

e só a mesa numa sala

nesta casa de sofrer.

 

Prato tão seco

quanto seca é a dor por dentro.

Tão seco quanto a vida, o prato.

 

E, no entanto, é prato,

raso e frio,

prato de nada caber,

pois só o nada existe

nesta casa de sofrer.

O prato...

 

E assim, tão prato,

vazio e só sobre a mesa

esconde em seu nada

o pranto

dos que ao redor fazem vigília

nesta casa de sofrer.

O prato!

 

 

 

A POETISA

 

Tomas o lápis nas mãos e o meu corpo treme.

Escreves o poema como quem lambuza de amor o papel

(é com o grafite que beijas, poetisa?).

 

Desliza a mão sobre a folha

(acaricia o poema)

Esboça um leve sorriso...

Teus olhos brilham.

 

Estranha mania de fazer amor com palavras!

 

Ah, teu texto me toca,

Teu texto me convida a sentir

O calor de cada adjetivo.

 

Eu devasso teu verso com o olhar curioso.

 

Vou descobrindo cada nuance verbal

Até esbarrar com tua mão

tapando a última estrofe.

 

Sádica, brincas de adiar o final

(A leitura do fecho de ouro).

 

Mas eis que, faceira, exibes tudo!

E logo me perco entre versos e curvas:

Não logro saber se o que excita minha boca

São rimas e metros

Ou tua língua ardente.

 

 

 

BREVE PROPEDÊUTICA DE MIM MESMO

 

Estala com a ventania o galho triste da mangueira seca.

Uma estrela brilha muito antes do pôr-do-sol

O silêncio repercute como um uivo desesperado

Espadas, martelos (foices?)

Uma flor de cacto já murcha, pendurada (morta?)

Um sorriso partido pela incerteza

Outra vez a merleta sobrevoa a cidade

Outra vez o medo, o espanto, a dor

 

Ainda o perfume naquela esquina perdida

Uma gota de mel brota no jardim

Na varanda de um sobrado, um violão esquecido ressuscita o improvável

Toda a filosofia se apequena diante do olhar de uma criança.

 

O peixe no aquário, com olhar tão vivo

O peixe no supermercado com olhar tão vivo.

O oceano é tão vazio quando posto numa lágrima!

O que não cabe no poema é sempre a melhor poesia.

 

 

 

MEU CANTO

 

Agora eu cantarei o amor e deixarei

Meu verso alçar os céus, cruzar os verdes mares.

Deixarei que o meu canto ecoe pelos ares

E espalhe no universo a lira que criei.

 

Agora eu buscarei na terra a massa fértil

Da qual há de brotar a flor mais rara e bela

Agora eu cantarei os lindos olhos dela,

Dissiparei a bruma e a cor que for volátil.

 

Conduzirei meu canto aos bosques mais distantes.

Serei a ave a dar imensos e altos voos.

Serei o peixe imune a todos os arpoos

E a voz que se renova em todos os instantes.

 

Meu canto há de alcançar os mais ermos espaços

Fluir em correnteza enquanto se irradia,

Roubar o mel que adoça a boa poesia

Criar entre mim e ela os mais sinceros laços.

 

Agora eu cantarei a alegre natureza

O céu todo azulado, os montes altaneiros...

A água transparente, o mel dos colmeeiros,

A luz do sol, da lua, em toda sua beleza.

 

Agora eu cantarei o amor e deixarei

Meu verso alçar os céus, cruzar os verdes mares.

Deixarei que o meu canto ecoe pelos ares

E espalhe no universo a lira que criei.

 

 

 

DA ARTE DE MANIPULAR OCEANOS NUMA PALAVRA-GOTA

 

Estranho é o poeta afogar sensações

nas águas rasas de uma folha qualquer;

estranho é o poeta chover desejo e vida

no céu tão limpo de uma página em branco;

estranho é criar cascatas e correntezas

na monotonia de um igarapé, no papel: poesia.

 

 

 

AS NUANCES DO MEL

 

Com que cor hei de escrever amor

se nenhum matiz logra expressar teu nome?

Não esqueças que a poesia tem seus limites

e no papel, afinal, toda declaração

vem em preto e branco.

 

Com que sabor hei de cantar paixão

se em tua boca existe seiva rara

que pobre léxico

não ousaria alcançar?

 

Com que perfume hei de confessar desejo

se teu aroma exala flores, amêndoas, mistérios?

Existe frasco que te possa conter,

existe olfato que te resista?

 

Com que adjetivo hei de pintar beleza

se teus olhos não cabem em um tom apenas?

Como limitá-los com castanhos,

se deles jorra uma cascata caudalosa

que te banha o corpo e adocica a pele?

 

Deixarei apenas as nuances do mel

com suas cores, seus sabores, seus aromas...

Deixarei cada página com uma gota de amor

e uma palavra de desejo.

Deixarei cada página banhada de beleza

e com um gosto forte de paixão.

E cada cor que minha poesia trouxer

será uma variação do mel de teus olhos.

Cada vez que eu cantar a beleza

será em ti que estarei pensando

e será para ti o poema,

como, afinal, têm sido todos eles!

 

 

 

EU, VOCÊ E O MAR

 

Chegados à beira do oceano, abracemos o mar sem soltar nossas mãos. Sinta, querida, como nossos olhos abrigam ressacas de amor... Não julgava possível uma pipa transportar baleias, nem um sorriso ofuscar o sol. Sorvamos a maresia... Logo te farei um buquê de sargaços! Prepara-te, pois há outros castelos de areia para conquistarmos em batalhas épicas. E beija-me, amada, enquanto nos lançamos nas verdes águas deste imenso mar, que hoje é só nosso!

 

 

 

SONETO DA PAIXÃO PERENE

 

Tocar-te e a pele arder, tremer, fremir,

Sentir no peito o agito, a pulsação.

Beijar-te a boca doce em comunhão,

Tomar-te as mãos, depois de te despir.

 

E com paixão tocar tua pele clara

Unindo os corpos sem nenhum pudor.

Beijar-te os seios sob o véu do amor,

Provar teu mel, como a uma seiva rara.

 

Ao fim do amor, felizes, sublimados,

Quedarmos juntos como namorados,

Igual fizemos na primeira vez.

 

Parece ontem que te conheci,

Pois todo dia me fazes sentir,

O imenso bem que teu amor me fez.

 

 

 

O SORRISO

 

Desponta esboço tímido, luzente.

Dos rubros, doces lábios, projetado

(exânime, era como se formado,

no sono mais profundo, embora ardente).

 

E foi ganhando brilho... lentamente...

Qual luz que se acendesse ao meu lado.

Seu rosto, chamejante, colorado...

E o colo que arfava, indolente.

 

Mas eis que, finalmente, em alegria

Seu peito transbordava, ela sorria...

E o meu acompanhava, em pulsação.

 

Seus olhos marejados refletiam

Os meus, que ao seu lado descobriam,

As cores verdadeiras da paixão.

 

 

 

O PENHASCO

 

Raízes enroscam as rochas

a terra suando mistérios

ramagens...

As flores precipitando...

 

E no galho seco

um ninho de pássaro

desafiando o penhasco.

 

 

COR DE PELE

 

Das cores, a mais bonita

é a cor de tua pele.

 

Tua pele negra

que só vejo em contornos

à meia-luz,

tua pele dourada

sob o sol, sobre o mar.

 

Tua pele alva refletindo a lua

nas madrugadas, nos jardins...

 

Tua pele cor-de-jambo

ardente de desejo e paixão

sob os raios do sol poente.

 

Tua pele cor de mel,

tua pele cor de céu...

Tua pele policrômica,

cor-de-amor,

cor-de-mulher!

 

Adoro tua cor,

cor de tudo,

colorida:

Cor-de-vida!

 

 

 

PROCURA

 

Eu busco um verso que nos possa alçar

Às brancas nuvens, à mais bela estrela.

Eu busco um verbo com o qual dizê-la;

Versar seu corpo, feito do luar.

 

Procuro o tom que a sua voz expresse

Em sinfonias pelo mundo afora.

Eu quero a paz que do seu peito aflora,

Toma minha vida e minha alma aquece.

 

Eu quero a rima mais perfeita, rara...

O metro certo que irá contê-la.

O adjetivo com que a irei cantar.

 

Eu quero a rosa que do amor brotara

Eu quero amá-la e jamais perdê-la

Quero perder-me neste seu olhar!

 

 

 

AS PERNAS

 

Taças pendiam ébrias do firmamento e dois livros ainda abertos a um canto gritavam o quanto de Libertinagem havia naquele Jogo de sentidos. Roupas pudicas largadas sobre o sofá, sob a mesa, ao lado da cama. Nesta última, suas pernas... Somente elas, caminho para Pandora. Suas pernas suspensas, sobre a cama, que flutuava.

 

 

 

O SOLUÇO

 

Um soluço rompeu o peito

E espalhou-se pela casa,

A cidade, o mundo.

Um soluço seco, firme,

Mantido em compasso,

Cadenciado e angustiante,

Cujo eco causava calafrios de pavor

E gemidos de incerteza.

 

Só o soluço

a propagar-se pelo mundo.

Cada vez mais intenso,

Cada vez mais soluço.

A cada novo espasmo

um forte ruído,

Um tremor de terra, os gritos.

A cada novo espasmo o fogo

Os destroços, o caos...

O pranto.

 

Mas não caiam lágrimas:

Só havia o ódio.

 

 

 

O PALHAÇO

 

Risos, risos, risos.

Na plateia a criança

Alegre assistia.

 

Palmas, palmas, palmas.

Encanto, magia, beleza

Público em êxtase.

 

Mas, oh! Quedou-se a persona

E o palhaço, coitado,

Pesado de angústias e dor

Afundou com o picadeiro.

 

 

 

CLAIR DE LUNE

 

A lua beijando com seu brilho a mansidão do mar

Ondas acariciando a terra fofa

Tomando aconchegos...

Uma sinfonia de águas contra rochas

e coqueiros ao vento...

 

Teu corpo nu, deitado na praia

Se revelava pela lua e para a lua

Numa comunhão perfeita.

 

Minhas mãos deslizaram por tua pele

e arfavas a cada toque.

Completamos a noite bailando compassados,

nossos corpos como um só,

ao som dos pássaros, que já anunciavam o raiar do dia.

 

 

 

O CÂNCER DE ÉDIPO

 

Um nojo de tudo e um arrepio letal tomavam-lhe havia tempo. Flores murchas brotavam em suas mãos e adiantavam um tempo não muito distante. Todo espelho aos seus olhos era vazado e, embora tentasse, não conseguia tocar-se. A ferida aberta, câncer cruel e incurável, chegava-lhe todos os dias com o jornal. E mesmo à noite, enquanto a cidade dormia, as luzes vinham empatar-lhe o sono. Cansado de lutar contra seu maldito destino, pobre Édipo, furou os próprios olhos com as garras do último urubu. Encontraram-no um dia, em sono profundo e com ar de Gioconda nos lábios.

 

 

 

BARQUINHOS DE PAPEL

 

Mas é que invadiu o nosso quarto

o perfume da última flor.

E enquanto lá fora

afundavam os barquinhos de papel,

construímos, com os destroços

de nosso castelo,

uma ponte...

 

Aquela que nos faltava

 

 

 

SUSERANIA, VASSALAGEM

 

Tu, meu feudo medievo, fortaleza.

Legião carolíngia em fúria,

Castelo bizantino de pedras,

Paladina sob véu de querubim.

 

Eu, vassalo de ti,

Dou-me à forca ou guilhotina

No porão do meu sentir.

Calabouço de amor, o eco de tua voz...

 

... Cantiga de amiga.

 

(setembro de 2011)

 

 

 

ACONTECIMENTOS EM TORNO DE UM POEMA

 

Uma gota cai sobre a pétala da açucena

Não sei se é de suor

ou de lágrima formada...

Talvez seja um pingo de mel, quem sabe?

 

Os carros buzinam

exasperam, impacientam-se...

Ou talvez toquem uma sinfonia.

 

E a menina lê para o pai

um poema sobre uma lagarta

 

Transeuntes riscam a calçada

seguem apressados, atrasados, impacientes...

Ou apostam corrida...

Brincam de pega-pega...

 

O poema fala da lagarta

era uma lagarta ou um pássaro no poema?

A menina disse que era lagarta.

Mas ela voava, voava, voava...

 

 

 

SILÊNCIO

 

Quando as palavras calam

apenas os olhos falam

a língua do amor.

 

 

 

UMA FLOR

 

Pétalas caídas

outras sem brilho, sem vida.

Chorando triste as últimas gotas de orvalho.

 

Até a borboleta amarela

passou por ela orgulhosa

dando rabiçaca e estendendo a língua.

 

Sem perfume e sem beijo a flor, por fim, entrega-se...

Mas a quem?

 

 

 

TEMPLO DE AFRODITE

 

Agora que nos encontramos, vem,

Viver, comigo, enfim, a história infinda.

Esgarça o peito a dor de amar-te ainda

E ser, Amor, pra sempre, teu refém.

 

Uma outra vez, ainda, vem... Me ensina

A navegar o mel dos olhos teus.

Espanta a bruma, excita os sonhos meus

Dá-me o sorriso que mi’a vida anima.

 

Uma outra vez, Amada, vem... me diga

Palavras doces, confissões amigas...

Conta o que sentes no teu peito agora.

 

O teu olhar, eu sinto, me permite

Beijar teu corpo inteiro, noite afora,

Fazer de um quarto o templo de Afrodite!

 

 

 

POÉTICA

 

Assim eu quereria o meu primeiro poema:

 

Que tivesse o desprendimento

do menino que, desembrulhando o videogame,

prefere brincar de estourar o plástico bolha.

 

 

 

CALEIDOSCÓPIO

 

ladrilhos

mosaicos

as cores

os brilhos

os muitos

amores

vermelhos

lilases

frações

espelhos

fugazes

lições

paixões

desejos

lampejos

faíscas

ariscas

de luz

as ânsias

azuis

e os verdes

anelos

retalhos

singelos

vibrantes

assim

palpitam

se agitam

pulsando

em mim

 

 

 

POCINHOS

 

Uma cidade entre as pedras, com rochas moldada,

arquitetando o sonho de alçar os altos píncaros.

 

Uma cidade cuja solidez é estado de espírito

— construída com mão firme e braço forte —

irradiando-se pelo Cariri como altivo cantar.

 

Uma cidade onde os poços, nas pedras moldados,

guardam esperança e amores,

tal como o coração de seus jovens.

 

Uma cidade onde o vento eriça a pele e alenta a alma

acariciando o viajante e convidando a voltar.

 

(Pocinhos, outubro de 2015)

 

 

 

PERDÃO

 

Sonhei passado, acordei solidão.

Ao lado, seu lugar vazio, gelado...

Na boca, a palavra não dita: perdão.

 

 

 

PRESTANDO QUEIXA

 

Ontem te vi novamente

pus o coração no bolso

mas não quiseste roubar.

 

 

 

DEVANEIO

 

Quisera ter-te, embora brevemente.

Tu, ávida e arfante, pedirias

Meus beijos e, aos suspiros, sentirias,

Fazer-se o instante um sempre… eternamente…

 

Quisera estar contigo novamente,

Ouvir de novo a voz que me aprazia.

Ver renovada a chama que aquecia

Meu peito que hoje sofre indolente.

 

Mas sei que é ilusão o que desejo.

Teus beijos já não posso esperar,

Teu corpo, ansioso eu busco em vão.

 

Meus olhos te procuram e não te vejo.

Mi’a boca nunca mais te vai beijar.

Meu corpo diz que sim... E o teu que não!

 

(maio de 2019)

 

 

 

ON THE ROCKS

 

Exagerou no uísque

Rachou a testa nos paralelepípedos da calçada.

 

 

 

O RELÓGIO

 

Ah, o relógio...

No carrossel do tempo

o menino que sou gira

morrendo aos poucos enquanto se deixa embalar.

 

 

 

A CADEIRA VAZIA

 

Um perfume antigo paira nesta rua.

Um antigo aroma, cor de brincadeira.

Quando ela sentava na velha cadeira

Pintava o aroma doce desta rua.

 

Eram cores vivas com que ela tecia

O cantar dos pássaros no entardecer.

Daquela cadeira ela me viu crescer

E com seu sorriso meus dias tecia.

 

Com ela aprendi a velejar co’s olhos...

Criar borboletas na palma da mão.

Com ela voei sem erguer-me do chão...

E julguei que a vida nascia em seus olhos.

 

Pensei ser eterno meu sonho encantado.

Mas hoje, sem ela, esta rua está triste...

Apenas a bela lembrança persiste:

Este doce aroma, de um tempo encantado.

 

 

 

UMA ROSA

 

Uma rosa como brotar poema, tal qual a cor

vermelha, de tão paixões sentir, de desejosa...

Espinhos, com dengos de fazer doer, de maltratar!

A bela... verbo ferino, de caule forte, verga?

 

Uma rosa de incontornáveis versos... as muitas rimas...

Desabrocha (fértil seara, divino oásis?) num par de mãos.

Tão rosa, de tantos seres, tantos agires... adjetiva!

Regada (em regaço, colo, seio?), lacrimal, chove?

 

Uma rosa de ser aromas, adverbiando pétalas

o orvalho, o brilho... rebrilha; na mente; ideia?

Como medir roseira, escandindo? Cesuras?

Como saber de um verso o cheiro? Sabores?

 

Uma rosa que riscasse a página, enraizando sonhos...

Os muitos ramos - criando amores - projetados para o sempre.

Um botão que surgisse mínimo, contraído de querenças;

depois inflasse, ganhasse vida e viço, no jardim-poesia.

 

(Maio de 2016)

 

 

 

EIS A QUESTÃO

 

Inúmeras partículas de poeira

sobem constantemente

seguindo a luz do sol

que entra pela janela aberta.

 

Procissão ou abdução?

Eis a questão!

 

 

 

LABIRINTO

 

Aceitando meu risco,

refaço com o sarro das horas perdidas

o labirinto dos dias.

Auscultando inerme e às cegas os corredores sombrios,

gasto, inutilmente, as últimas migalhas do pão

que nem o diabo amassou.

 

Revolvo, tateio, esbarro nas arestas...

Enquanto o passado se dissipa a cada nova esquina,

me divido e embaralho, nas rimas de cada atalho

rumo ao nunca.

 

Numa reentrância dou com os chacais

que devoraram meu último minotauro.

 

Ofereço-lhes também meus olhos...

Já não quero (nem posso) fugir.

 

Onde mais me perco, mais me confirmo.

 

 

 

TEU CORPO

 

Teu corpo desenha no espaço

as formas do mais tenro espectro

(te vislumbro, embora não decifre:

etérea bruma).

 

Já feita vento,

me afagas (miragem?).

 

Esqueço, embora breve sonho

(posto que volátil),

que não te possuo.


Estás em tudo,

ao passo que não és.


E não sendo sempre, te eternizas:

constantemente aqui — a tua ausência.

 

 

 

PÊNDULO

 

o pêndulo da poesia oscila em mim

mas, oh, é um pêndulo de só ir,

sem jamais encontrar o ponto de onde voltar...

não há retorno porque não há chegada

não há um centro onde fixar o fio...

 

(como tecer um fio de poesia?

um fio de ouro ou algodão, seda ou linho?

teia de aranha que faz rapel descendo do teto de uma biblioteca

ou fio de cabelo branco, de muitas histórias a contar?

um fio de vida nos olhos tristes de um cão idoso

um fio de água brotando da nascente

ou fio de esperança no coração de uma criança...)

 

o calor da poesia aquece minha alma

mas onde a brasa ou fornalha

se o que vejo são cinzas e uma faísca perdida?

onde a chama que incinerasse as dores

onde o sol, onde a lua? onde todos os astros?

 

é magma nas veias, invisível, com todo sentir...

é rio que corre em círculos, rio sem foz

rio sem fim e sem volta, rio de ser infinito...

como infinito oscila o pêndulo

sem ponto fixo e sem retorno — não periódico...

seu fio, cuja matéria não logro decifrar,

se alonga... se alonga...

e é sempre um tempo perdido

é sempre um tempo absurdo.

um tique sem taque,

um prolongar-se no nunca

e ser sempre presente sem fugir do passado.

e é... eternamente, diluindo as horas...

 

as horas mortas!

 

 

 

CARTA PARA DUAS CRIANÇAS

para Letícia e Heitor

 

Não é tão faz de conta assim: sabem aquele castelo de bloquinhos? Às vezes eu me escondo do mundo lá dentro. Sabem quando eu vos abraço? Na verdade, sou eu quem me aconchego. A bola, quando quica pela casa, repercute no seu tum-tum o pulsar de meu coração na alegria de ser criança novamente. Aprendi com vocês que as boas experiências, assim como um desenho animado, mesmo quando repetidas centenas de vezes, têm sempre algo de surpresa.

 

 

VIAGEM

 

um beijo

um aceno

uma lágrima

 

no aeroporto vi partir

um poema ainda inacabado

 

 

 

ODE AO VINHO

 

Oh, saboroso e doce néctar, cai

E a transparência do cristal embaça.

Tinge de rubro este sensível bojo.

Inunda a taça!

 

Ah, tuas delícias, teus sabores mil.

O teu torpor, que a todos nós enlaça

Faz maravilhas em meu ser, me alegra.

Inunda a taça!

 

Possamos, suco de escarlate cor,

Sorver o aroma que do mosto nasça:

O teu perfume, que me atiça o olfato...

Inunda a taça!

 

Mi’a língua ferve ao toque doce ou seco.

Escorre, oh suco, do gargalo! Faça

Em transbordante jorro encher-me a vida.

Inunda a taça!

 

Vinde saciar-nos com teu sumo, oh Baco!

Dá-nos o líquido que a tudo esgarça!

Oh, vinde a nós, não custes mais, jorrai.

Inunda a taça!

 

 

 

SONETO DA RECONCILIAÇÃO

 

Foi com amor enternecido o canto,

E com sorriso fez-se a noite dia.

O toque leve deu a sintonia

E a melodia dissipou o pranto.

 

A voz suave era o acalanto

A embalar tudo o que ele sentia.

A negra túnica o amor despia

Regozijava quem sofrera tanto.

 

As mãos atadas coreografavam

A bela dança sob o véu do amor

Os beijos quentes davam pulsação.

 

Os corpos trêmulos na cama arfavam

O quarto agora já tomava a cor

Que irradiava de seu coração.

 

 

 

A CHUVA

 

sempre que chove

e chego à janela

um cheiro

intenso e doce

lava minha alma

 

sinto o mormaço

sorvo o perfume

as gotas condensadas

lavam meu coração

a terra molhada chia

o mato dança

sob os pingos

e o roçar do vento

 

algo que não distingo

pula para o jardim

e se joga

numa poça d’água.

Em pouco tempo

 já se afoga em alegria

 

é um menino

e o menino sou eu

 

 

 

SUPREMA ARTE

 

Eu disse amar

E o verbo se fez carne

 

Eu disse paixão

E a carne se fez verso

 

Eu disse teu nome

E o verso se fez arte.

 

 

 

APENAS ALGUMAS PALAVRAS SOBRE ÁRVORES E PÁSSAROS

 

É que havia uma árvore cuja copa, invertida, fora a parte que puseram no solo e ela assim estava, desde sempre. Suas raízes, expostas, esvoaçavam ao vento. Certo dia, juntou gente em volta da árvore, com a curiosidade atiçada pela terra que se remexia próximo ao caule. Em pouco tempo todos viram, admirados, sair dali um pássaro, que se sacudiu para livrar-se da areia, voou até uma raiz, observou em volta, cantarolou algo e partiu... Uma menina comentou com o coleguinha: “os filhotes cresceram! Lembra que vimos o ninho no dia em que cavamos para pegar frutas?” Em seguida, foram brincar na praça.

 

 

 

A CARTA

 

As cinzas da carta

caiam da janela do apartamento

chovendo saudade

na insensível rigidez do asfalto.

 

 

 

XOGUM NO CYBER CAFÉ

 

A não-fronteira enclausurada

caixa de brincar de sempre-ser.

Sirena, querubim? Lúcifer!

Narciso em rede social.

Peixe livre de rede...

Preso na tela durante breve pausa:

aquário moderno!

 

O nada

o tudo

quando?

Nunca!

 

E eu... Senhor disso tudo

ou seu simples servo?

Mera ilusão de poder.

 

O imperador exige lealdade

ou expulsa o Xogum?

- O tempo acabou!

 

(novembro de 2008)

 

 

 

OUTRAS PRIMAVERAS

 

Nosso amor não acabou.

Apenas a flor murchou...

Virão outras primeiras!

 

 

 

AMPULHETA

 

Qual amaldiçoada ampulheta

sinto escorrerem de meus olhos

lágrimas secas como grãos de areia.

 

Caem sobre o solo pausadamente

num ritmo que atormenta e emudece

caem pesadas, como marteladas agudas no aço frio.

 

Levam consigo as dores das horas perdidas

e os martírios dos dias de solidão

afogando qualquer desejo de sonhar o amanhã.

 

Ah, mas têm ritmo: o da macabra sinfonia.

Umas tilintam, outras bradam, mas soam

e o seu som me causa tremores e calafrios.

 

É o som do tempo que ouço

um compassado e lúgubre agouro

segundo a segundo, lágrima a lágrima.

 

Tempo, tempo, triste tempo

como o badalar de um sino de matriz...

tempo, tempo, como dói.

 

Tempo, tempo, pesado tempo

quanto mais te verto destes infelizes olhos

mais sei de ti, mais te meço, e, por isso, choro!

 

 

 

CRISTAL QUEBRADO

 

Tal como cristal quebrado,

quedou-se com o corpo em cacos.

Estava seminua,

embora trouxesse na alma

a pureza e a delicadeza de sua pouca idade.

 

Suava asco e sangrava ainda o líquido viril.

Chorava.

Partida e devassada...

Descartada como lixo

na calçada suja de um hotel.

 

Estava só...

e era invisível!

 

 

 

QUINTANIANA

 

No meu bairro,

sempre que chega a aurora,

pássaros e aviões dão voos rasantes

É um porre morar próximo a um aeroporto!

Mas, como só os pássaros podem fazer no poema um ninho,

Os aviões passarão

e a poesia passarinho.

 

 

 

BAILARINA I

 

Girou, dançou e brincou.

Depois, co’a mesma leveza

foi bailar em outro palco.

 

 

 

PALAVRA-CHAVE

 

Desperta, novamente, ao grito hostil

e logo está buscando inspiração

embatem suas ideias na fusão

do puro sentimento com o vil.

 

Não sente mais o sopro pueril,

não lhe toma a vibrante inspiração

não doma mais o verso na escansão

não acha mais a rima, que se foi.

 

Cansado, apaga tudo e recomeça

tentando achar na sombra mal formada

uma palavra-chave que abra portas.

 

Mas o verbo reluta, se dispersa.

Sua lida nunca há de dar em nada

e ele escreve errado em linhas mortas.

 

 

 

IDÍLIO

 

As cabras cruzam a terra seca

rumo ao pequeno açude, onde matar a sede.

 

O sertanejo vê o cinza ao redor

e segue firme, confiante.

 

Ele sabe que a vida não morreu, apenas dorme,

e que cada galho seco é verde em potencial

esperando as primeiras chuvas

para tingir de esperança o seu caminho.

 

 

 

ELO PERDIDO

 

Se a ponte desaba

o rio é abismo;

O cabo rompido

de aço não era;

O beijo esquecido

não molha a boca;

As mãos separadas

não tremem nem gelam.

 

 

 

GÊNESIS

 

Do círculo esboçado em branca página,

Traçou logo o hábil artista um belo seio

E a forma no papel criou relevo.

O artista prosseguiu, sem ter receio.

 

Com curvas foi traçando a silhueta

Marcando, assim, as linhas mais supernas.

Com voltas, caracóis, fez o cabelo

E pôs em sua musa longas pernas.

 

Envolto em sua arte e a envolvendo,

De sombras e esfumaços fez o sexo.

De luzes um sorriso se formou.

 

A musa entre as pernas o prendeu.

A obra, estando pronta, o enfeitiçou,

Do amor, o mais sublime conheceu.

 

 

 

PARA UM POETA

(mas ao meu jeito)

 

Rio sem água

é poeta sem palavra

cessado o jorro da límpida correnteza

retesa a língua

enguiça a goela

empaca a pena.

Resta a pedra, palavra

solta

pedregulho, verborragia.

Poeta seco

só encontra pedras

perdido o rumo

des-curso ao léu.

Somente as pedras

presas na língua

somente as pedras,

perdidas no caminho

somente pedras no caminho

e o poeta fatigado

segue vagaroso e de mãos pensas

avaliando...

Ora, mas não era pra Drummond o poema!!!

 

 

 

AS PERNAS II

 

Pernas que cruzas e brincas

mudando de posição.

Naturais, sem academia.

Uma ou outra celulite:

adornos que atiçam meu desejo.

Marcas de vida,

de humanidade,

feminina: mulher!

Pernas roliças e belas

firmes e macias,

ideais para minhas mãos.

Pernas, pra quê te quero?

Bem sabes...

E por isso atiças!

 

 

 

COR DE MEL

 

Teus olhos são cor de mel

e se os ponho no papel

dão sabor à poesia.

 

 

 

SÁBADO À TARDE

 

Um tímido sol surge entre as nuvens.

Da janela vejo dançarem com a brisa

os galhos que há pouco a chuva molhava.

 

Lá embaixo, na rua,

um menino sai para brincar com a bola...

 

Aqui dentro, teu corpo

meio revelado entre os lençóis.

 

Um pássaro voa para o leste...

As calhas ainda gotejam.

Se houvesse flores por aqui,

certamente alguma borboleta surgiria.

 

Eu fecho os olhos e sinto

A vida invadir lentamente meus pulmões...

 

Cheiro de terra molhada!

 

Há pouco chovia

e tudo estava quieto...

Apenas nossos corpos pulsavam,

mas era de amor que nos banhávamos.

 

 

 

A BIBLIOTECA À NOITE

 

Ponho Bach com volume baixo. Nossos filhos dormem... Esboço uma dancinha ridícula, ela sorri e me olha com carinho – sabe que é só para ela que faço gracinhas. Há pouco era Legião Urbana, depois Janis Joplin. Quis degustar um uísque, pus a primeira dose. A biblioteca à meia-luz... Passeio em frente às estantes. A sombra não deixa ver os títulos das prateleiras mais altas. Um avião passa rasante, depois posso ouvi-lo pousando. Merletas curiosas sobrevoam o recinto enquanto grifos imponentes vigiam meus maiores tesouros. Tomo o volume da Poesia completa de José Paulo Paes, depois os livros de história, os de filosofia... Spinoza, bela brochura. Pego o São Bernardo: lembra que fomos comprar juntos, para o vestibular? “2005”. O passado invade a biblioteca e traz consigo perfumes, mistérios, personagens de uma história perdida no tempo... Mas hoje é dia de poesia! Outro avião (mas este levanta voo). Nova dose de uísque. Sento-me para ler alguma coisa de Vinícius e dois ou três poemas de Neruda. Hoje cedo boa aula, os alunos participaram bastante... “Lê Morais, aquele do ‘meio filho’”. Capa branca com foto de duas crianças no meio... Persona...  Ah, Assunção: Entre beijo e boca: ranhuras. “Forte, sensual”. Brinco novamente, ela sorri. Ponho mais uísque no copo. Seus olhos castanhos brilham... Deixa que eu mergulhe, ó musa, nestes lagos de mel que tu carregas! Quem sabe assim não alcanço decifrar os recônditos da tua alma? “Bobo!” Não, um clown de Shakespeare, sem lirismo comedido, como queria Bandeira.  Pneumotórax?” Poética! Mas prefiro a Última canção do beco... Percebes que esta biblioteca também está suspensa no ar? “Vou dormir”. Já chego lá. “Não exagera, tá?!” Levo alguns volumes para a poltrona: Claro enigma, Dispersão... Mas é com Florbela Espanca que eu termino a noite. E como espanca, pois adormeci e só acordei na manhã seguinte! Bach já tinha acabado no som e agora eram só os carros lá fora que eu ouvia. Uma baita dor no pescoço. Vou para a cama, ela acorda: “por que não vieste?” Desculpa, amor, dormi com Florbela... Mas não me dei bem!

 

 

 

UMA CALÇADA DE LADRILHOS

 

Era uma calçada de ladrilhos

 

e o menino ali brincava, com seu patinete

no fabuloso devaneio de, quadrinho a quadrinho,

encontrar o caminho para a lua.

Havia inocência e esperança

em cada um de seus movimentos.

 

Um dia passou um jovem

 

vinha abraçado a uma bela moça.

Caminhava sem dar conta do menino.

Sorria e meninava, com sua formosa namorada.

Havia desejo e paixão em cada um de seus beijos.

 

Depois veio um homem

 

pasta na mão, olhava o relógio

enquanto seguia para o trabalho.

Esbarrou no menino do patinete, que caiu.

Com a queda, alguns ladrilhos se desprenderam da calçada.

O homem esbravejava.

Havia incerteza e cansaço em seu rosto.

 

Por fim veio um velho

 

ele tropeçou nos ladrilhos soltos e fê-los voar.

Caiu, mas não esbravejou. Riu para o menino.

E ficaram os dois observando os ladrilhos

suspensos no ar.

Havia inocência e esperança em seus olhos.

 

Os ladrilhos, o menino e o velho...

Eles eram um só...

E flutuavam!

 

 

 

EXALTAÇÃO A CAMPINA GRANDE

 

Campina, por tuas ladeiras passeio,

como se brincasse de montanha russa,

qual criança num parque encantado.

Quantos sonhos navegados

através das águas de teus açudes!

Quantas dores choradas

sob teu céu azul,

sobre tuas serras verdejantes!

 

Ah, grande e bela menina...

Poema de amor e beleza

forjado com o choro

da mais astuta sanfona.

 

Ah, teus muitos recantos...

Tanta história a contar!

Quanto de minha saga, Capital da Borborema,

tem seguido a inspiração

dos valentes tropeiros

que primeiro acolheste?

 

Talvez eu tenha herdado de tua geografia

os meus altos e baixos.

Talvez eu tenha aprendido com o teu clima

a passar do calor da paixão

ao frio da solidão

no espaço de duas rimas.

Talvez venha de tua pouca modéstia

a minha megalomania.

(e eu também gosto de te imaginar metrópole)

 

Ah, quanto prazer em conhecer tuas proezas!

Se prosperaste com a riqueza do ouro branco,

soubeste ser-lhe grata e, sagaz,

emprestaste a ele a cor parda da pele

e a força da fibra de teu valente povo.

 

Eu gosto de aventurar-me por teus espaços!

Como é bom perder-me

entre tuas ruas e vielas...

E, sorvendo a agradável brisa de tuas noites,

Sinto-me vivo e feliz.

Sinto-me em casa!

 

Orgulho-me de ser teu súdito fiel.

Salve, Rainha!

Quanto da força de tua terra

anima o meu caminhar?

Quanto de tua luz inspira meus versos?

 

Saibas que, sempre, a tua sede

será também a minha sede,

como tuas dádivas

sempre foram minha fortuna.

E há de ser assim:

na alegria e na tristeza

até que a vida nos separe!

 

 

 

IDÍLIO II

 

O sol se despede do vale com um último beijo quente

no Leste, o céu já começa a arroxear

o campo é tapete verde tecido pelas últimas chuvas.

As vacas pastam tranquilamente, esperando a brisa da noite

descendo a serra, ao longe, vem chegando o vaqueiro

trazendo consigo um bezerro que se desgarrara.

Ele vem conversando com o animal.

Até sorri, talvez para mostrar que não há ressentimento

para com o fujão.

O bezerro apenas segue-o, rebolando a cada passo.

Ele agita a calda.

Em seu pescoço, o chocalho:

blem, blem, blem...

Ou será a capelinha do sítio anunciando as seis horas?

O vaqueiro ainda conversa

e agora até assente com a cabeça.

Talvez o bezerro tenha afirmado algo

que ele sentira a obrigação de referendar.

Quem sabe?

O campo tem seus mistérios...

E segue o badalar, cada vez mais forte.

O vaqueiro olha para o céu,

vê a lua fluorescente que já vem se impondo

e se benze.

A noite quase toma conta de tudo

uma porteira se fecha e o chocalho cala.

tudo cala!

Só os grilos embalam o sono de todos.

 

(fevereiro de 2016)

 

 

 

MEU GRITO

 

Embora do amor conhecesse a fria face,

tomei coragem e parti rumo à outra:

a da ardente fornalha.

Tenho amado, e tanto, que não sei ao certo

o que em mim é cor ou sorriso desbotado

(espectro mal delineado do que nem conheço).

 

Mas amo (e isso basta!)

carregando comigo todas as cartas de amor

e todos os poemas de perdão.

Sim, amo estranho,

amo em vendavais e berros,

embora às vezes grite

e eu mesmo não me escute.

 

Amor legal seria o comedido, Quintana?

Não sei amar assim, baixinho...

Em silêncio que ame a pedra (ou o bilhete)!

Eu sou gente. Sou homem!

E enquanto houver amor em meu peito

gritarei.

Mesmo que só para ela,

mesmo que sussurrando ao seu ouvido,

gritarei!

Mesmo que com as mesmas palavras.

 

E a cada vez que grito

e a cada vez que chamo

ela me responde

inventando um novo sorriso.

 

 

 

COLMEIA

 

Do mel a fonte

doce, perigosa...

Como te acercar,

como te tomar

(domar?)

se tão arisca?

 

Como desvendar

teus favos?

Como sorver

teu néctar?

Como te pôr

a mão?

 

Os teus sabores,

como alcançá-los?

Como lambuzar-me?

Como descobrir-me teu

e tu minha,

se inacessível?

 

Selvagem,

me repeles.

Suculenta,

me seduzes.

Eu te admiro

e não ouso.

 

O teu sabor

jamais!

Mas como não te desejar?

Indomável

indócil

insubmissa...

Feminina:

colmeia.

 

 

 

BAILARINA II

 

Sem teu suave bailar

o tablado dos meus sonhos

é hoje palco de lágrimas.

 

 

 

EMPATE

 

Cartas na mesa...

Ninguém foi vencedor

No jogo do amor.

 

 

 

ENTRE RIO E MARGEM

 

Entre rio e margem

um elo perdido

fronteira de nós.

 

Tu, fluindo apressada tentando fugir

eu, marcando tua rota,

teu leito (meu leito?)

 

Entre rio e margem

nada

promessa de encontro

apenas furtivo

 

...amor dissoluto

 

 

 

QUANDO OLHO PRA VOCÊ

Para Juliana

 

Quando olho pra você

mergulho no mel de teus olhos

rumo ao infinito

colorido pelo nosso amor

 

passeio por tuas curvas...

Universo de desejo e mistério

estranha força a sugar-me para junto de ti

cascata de paixão

libido ardente.

 

Giganta... Toda fúria e afago

aliada em meus mais astutos crimes

juíza a condenar-me também.

 

Quando olho pra você

vislumbro o mundo

transfigurado...

Reconstruído...

 

Teus olhos refletem um novo mundo,

só nosso!

Um mundo doce

reconstruído ao nosso modo de viver

ao nosso modo de querer

ao nosso modo de amar.

 

(setembro de 2004)

 

 

 

O VIRA-LATA

 

O poeta como um cachorro de rua

Pelas esquinas

Vira-latas

 

O poeta como um cão sem dono

Sem coleiras

Sem quintal

 

O poeta que corre solto

Um viramundo

(e sabe que esse mundo é seu)

 

O poeta que ronda a noite

Que sonda os espaços

E ausculta, mexe, cava... E fuça... Fuça...

 

Um poeta sem rei

Um poeta sem lei

Um vagamundo!

 

Um poeta como um vira-nadas

Um vira-palavras...

Mas é livre, e por isso segue!

 

(Pocinhos, fevereiro de 2016)

 

 

 

O ASTRONAUTA

 

E eis que me agarrei à calda deste cometa

Para, desde então, vagar pelo universo afora.

Tenho o tempo que for necessário...

E a viagem é longa!

 

Os guarda-chuvas agora estão fechados.

Nunca é um disco voador:

É um globo da morte o que gira ali.

 

A terra é vermelha aqui de cima:

Cálice – de vinho tinto... de sangue!

 

 

 

CALIGRAFIA

 

Embora errante pena,

que a mão púbere empunha,

assume a eterna lida:

profanar branca página

com invisível verso.

 

E as palavras vazias,

se garatujas rotas,

nada podem guardar

além do caos. E ele,

artista insano, insiste.

 

Esbraveja e apaga.

Põe-se outra vez na sina.

Talvez ele acredite

que pode ser possível

um dia terminar.

 

 

 

BAILARINA III

 

Parecia ser tão bela

Aquela dança singela

Mas era tudo ilusão.

 

 

 

O BEIJA-FLOR

 

Em golpes rápidos batia as asas

Pairando leve sobre meu jardim

Sorvia a rosa, o hibisco, o jasmim,

Depois partia para outras casas.

 

Logo voltava, como que sofrendo

Grandes saudades, das amadas rosas

Todas vistosas, todas saborosas.

E o doce néctar ia assim bebendo.

 

São tantas aves que vejo passar

Sobre esta casa em seus voos tão altos

Riscando os céus em toda imensidão.

 

Mas és só tu, amigo, em teu voar

Baixinho, rápido, em sobressaltos,

Quem traz encanto ao meu coração.

 

 

 

UMA ODISSEIA NO ESPAÇO

 

se um dia cair o mundo

num buraco negro

desses que têm aos montes no universo

e perdermos o rumo e a esperança...

por favor;

acendam ao menos uma vela

pois o poeta tem medo do escuro!!!

 

 

 

OLHOS DO CORAÇÃO

 

Seios pequenos, rijos

apontam, acusam...

Incriminam até.

 

Seios fartos, sedosos

convidam, aprisionam

o mundo dentro de si.

 

Sejam intumescidos

sedentos, pedintes...

Lactantes, por que não?

 

Se os olhos são as janelas da alma

os seios são os olhos do coração;

implacáveis medusas

a petrificar-me, enfim,

quando os toco com a mão.

 

 

 

O ÚLTIMO VOO DO GRIFO

 

Ei-lo à beira do abismo hostil

o peso nas costas é a vida inteira

que dói, atormenta, martela, maltrata...

Só raios vorazes

e o brilho dos canivetes rompem as trevas.

O voo no nada é novo suicídio.

Perdidas as asas,

corpo de fera nada vale.

 

 

 

EPÍLOGO

 

Eu quis um verso sincero

como o amor de uma criança.

Eu quis um verso forte

como tronco de imponente baobá.

Eu quis um verso intrigante

como a escuridão do mar profundo.

Eu quis um verso belo

como olhos cor de mel...

 

Mas, vejam: já estou novamente

falando dos olhos Dela.

 

Meu último verso,

como todos os outros,

é um verso de amor!


____________________



HAIKAIS



Na praia uma pipa...

No céu, ela voa ao léu

e as nuvens dissipa

 

 

***

 

Manhã de inverno

o orvalho brilha nas folhas

jardim estrelado

 

 

***

 

Na janela a mãe

com a filhinha nos braços

o mar acalenta

 

 

***

 

Chegou primavera

duas árvores se beijam

encostando os galhos

 

 

***

 

A chuva caindo...

Linda pétala rosada

alegre se agita

 

 

***

 

Um duplo arco-íris

desenha cores no céu

cada arco um pincel

 

 

***

 

Uma sombra voa

rapidinho sobre o chão

e a ave no céu

 

 

***

 

O pé de acerola...

Ao vento as frutas se movem

corações dançando?

 

 

***

 

Sol incandescente

reluz e a todos seduz

no céu do poente

 

 

***

 

Um beijo na noite:

lua minguante sorri

ao casal de amantes

 

 

***

 

Rio desce a serra

na manhã de primavera

repleto de pétalas

 

 

***

 

Os pingos da chuva

como fogos de artifício

explodem no lago

 

 

***

 

Palmeiras-reais

se agitam na tarde fria

dando voz ao vento

 

 

***

 

Os flocos de nuvem

no céu, pelo sol dourados...

São favos de mel

 

 

***

 

No verão o açude

secando desenha a terra:

faz um labirinto

 

 

***

 

No inverno o rio

encharca os sulcos da terra

e espalha esperança

 

 

***

 

Na noite de névoa

as nuvens beijam a terra

e a lua cochila