28/09/2022

TEORIA DA LITERATURA


Teoria da Literatura (ou Teoria Literária) é o rótulo sob o qual costuma-se elencar o conjunto das técnicas, procedimentos e reflexões a respeito da natureza do texto literário. Entre suas preocupações estão: o estudo da natureza da literatura, identificando suas características e especificidades em relação tanto às outras artes quanto às demais formas de expressão humanas; a delimitação e problematização a respeito dos gêneros literários; o estabelecimento de técnicas de análise das obras, a busca por uma nomenclatura que abarque os procedimentos e utilizações levados a cabo nos textos. Em resumo, de acordo com Amora (2006, p. 17), é a atitude diante do texto literário que procura “extrair da obra e de tudo o que com ela se relaciona, ideias gerais, e em elaborar essas ideias tendo em vista formular uma teoria acerca do que é essencial nos fenômenos literários”. E, nas palavras de Roberto Acízelo de Souza, ela constitui:

 

Um sistema de conceitos integrados que se destina a conceber as manifestações literárias não como ponto pacífico, no nível do senso comum, mas sim como certa produção cultural complexa e problemática, cujo conhecimento demanda aplicação e esforço intelectual (SOUZA, 2018, p. 82).

 

Do conceito de Souza podemos retirar algumas conclusões importantes: i) não “conceber as manifestações literárias como ponto pacífico” significa ter a noção de sua complexidade, entender que o objeto com o qual se está lidando foge a uma compreensão simplista; ii) é sempre importante entender que, em Teoria da Literatura, por se trabalhar com uma “produção cultural complexa e problemática”, nunca será possível abarcar toda a riqueza do acontecimento literário e é provável que qualquer conclusão a que cheguemos seja posta abaixo a qualquer momento pela análise de uma nova obra; iii) se o conhecimento do objeto de estudo da Teoria da Literatura “demanda aplicação e esforço intelectual”, fica claro que ela deverá rejeitar as conclusões apriorísticas e o estabelecimento de normas imutáveis, baseando sua abordagem na análise e compreensão das obras.

 

Daí já se depreende que estamos diante de uma disciplina que não pode pretender assentar-se em solo pacífico, que precisa reconhecer que tão fluido e multifacetado quanto o seu objeto devem ser suas abordagens e conclusões. Como toda ciência humana, mas, principalmente, como qualquer estudo a respeito da arte, a Teoria da Literatura não possui um rol de procedimentos e nomenclaturas universalmente delimitados e aceitos sem restrições. Ao contrário, a depender do momento, das filiações teóricas e ideológicas do estudioso e, principalmente, das particularidades do(s) texto(s) lido(s), tanto os procedimentos ganharão contornos específicos quanto também a nomenclatura utilizada na análise e descrição.

 

Sobre a natureza da Teoria da Literatura, trago à tona algumas das colocações de Afrânio Coutinho, em seu livro Notas de teoria literária (2008). Num estudo de caráter introdutório e que carrega muito da história do próprio professor, que foi um dos iniciadores da disciplina no Brasil, Coutinho aponta muitas das principais preocupações que dizem respeito à Teoria da Literatura, entre as quais destaco: “o estudo do fenômeno literário em si e de seus problemas fundamentais”; “estudo dos problemas gerais e propedêuticos da Literatura; métodos da crítica literária; gêneros literários, história das ideias literárias; análise dos estilos em literatura [...] em suma, todos os problemas técnicos ligados à criação literária”; “metodologia do trabalho intelectual aplicado aos estudos literários”; estudo dos textos, com analise, explicação e interpretação” (p. 16 – 17).

 

O rol de colocações a respeito da disciplina, embora amplo, ainda está, aqui, submetido a uma seleção. Muitas são, ainda, as colocações de Coutinho, entre as quais estão algumas com que não concordo, como o objetivo de “desenvolver e estimular as vocações para as letras” (p. 17), o que, a meu ver, está longe de constituir objetivo de uma disciplina como a Teoria da Literatura. Porém, creio que justamente pela amplitude, as colocações de Coutinho nos dão uma boa noção daquilo que constitui o campo de pesquisas com o qual lida cotidianamente o estudioso filiado à disciplina.

 

Souza (2018) destaca que, ao longo da história dos estudos a respeito da literatura, duas atitudes extremas foram adotadas:

 

Uma se caracteriza pelo normativismo, que tende a erigir certas potencialidades da arte literária em valores absolutos a serem observados por autores e leitores, o que situa a reflexão no âmbito dos assim chamados argumentos de autoridade. A outra, ao contrário, opta pelo descritivismo, atitude que favorece a especulação aberta, receptiva, a hipóteses explicativas diversas e, às vezes, antagônicas (p. 18 – grifo do autor).

 

Neste site, bem como no conjunto de minha produção a respeito do tema, tenho adotado a segunda atitude, de modo que entendo a Teoria da Literatura como uma disciplina em constante reavaliação de abordagens e procedimentos e aberta tanto à mudança de atitudes quanto ao diálogo com as demais áreas do conhecimento.

 

De modo mais específico, posso afirmar que, ao longo do tempo, minha reflexão a respeito da disciplina tem apontado para a conclusão de que ela surge:

 

1 – De um impulso: o impulso natural humano de refletir sobre o mundo e sobre as coisas;

 

2 – Com um objetivo: o de dedicar-se à análise das obras literárias e, a partir daí, chegar à compreensão da natureza do acontecimento literário de um modo geral.

 

Daí poder-se afirmar que a Teoria da Literatura não é:

 

1 – Um conjunto de métodos de abordagem crítica, primeiro porque ela não pressupõe, necessariamente, o estabelecimento de juízos de valor, mas sim a observação de ocorrências; segundo porque não sendo única e predeterminada, não poderia constituir, por si só, um conjunto de métodos acabados e universais (congrega, isso sim, diferentes correntes críticas de abordagem da literatura que foram surgindo e evoluindo à medida em que se foram aperfeiçoando as análises e na medida em que a literatura foi dialogando com outras artes e expandindo suas formas de realização – estilística, formalismo, gerativismo, literatura comparada, hermenêutica, estética da recepção...);

 

2 – Um conjunto de preceitos apriorísticos, posto que cada vez mais tem se mostrado inclinada a evoluir e se reavaliar, adaptando-se ao desenvolvimento do seu próprio objeto, a literatura;

 

3 - Mera especulação, haja vista que se baseia na análise concreta de obras e autores para, a partir de então, tecer suas considerações e estabelecer os seus métodos.

 

É importante destacar que a expressão Teoria da Literatura (ou Teoria Literária) é de utilização recente, quando observamos que o estabelecimento de conceitos e normas relativas à produção literária é milenar, remontando à Grécia Antiga. Durante muito tempo, coube à Filosofia, à Estética, à Retórica e à Poética o estudo da natureza da literatura, ora de modo mais normativo, ora de modo descritivo, este principalmente a partir do final do século XVIII (MOISÉS, 2004; SOUZA, 2018).

 

É com a publicação da obra Teoria da Literatura, de René Wellek e Austin Warren (1976), originalmente em 1949, que a disciplina definitivamente delimita o seu objeto (evitando contemplar textos não literários, algo que era comum anteriormente) e define algumas de suas principais preocupações no campo da literatura, além, claro, de “ganhar um nome”. A partir da publicação do livro de Wellek e Warren¹, vários outros manuais surgiram ao longo do século XX, trazendo em seu título as expressões “teoria da literatura” (AMORA, 2006; TODOROV, 2013; SOUZA, 2018; AGUIAR E SILVA, 2018; EAGLETON, 2019) ou “teoria literária” (PORTELLA, 1979; TAVARES, 2002; SAMUEL, 2011, COUTINHO, 2018), que tenho considerado como sinônimas, embora prefira adotar o primeiro termo.

 

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NOTA:

 

1 – Souza (2018, p. 78), no entanto, embora atribua a Wellek e Warren o status de inauguradores da disciplina de Teoria da Literatura, tanto lhe dando um nome quanto estabelecendo de modo mais fundamentado o seu campo, indica obras surgidas antes do seu famoso livro (de 1949) que já traziam a expressão “teoria da literatura” em seu título: Teoria da Literatura, de Estevão da Cruz e Princípios Elementares de Literatura: teoria literária, de Augusto Magne (ambas de 1935), além de Teoria da Literatura, de Antônio Soares Amora (de 1944).

 

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Professor Weslley Barbosa