Teoria da Literatura
(ou Teoria Literária) é o rótulo sob o qual costuma-se elencar o conjunto
das técnicas, procedimentos e reflexões a respeito da natureza do texto
literário. Entre suas preocupações estão: o estudo da natureza da
literatura, identificando suas características e especificidades em relação
tanto às outras artes quanto às demais formas de expressão humanas; a
delimitação e problematização a respeito dos gêneros literários; o
estabelecimento de técnicas de análise das obras, a busca por uma nomenclatura
que abarque os procedimentos e utilizações levados a cabo nos textos. Em
resumo, de acordo com Amora (2006, p. 17), é a atitude diante do texto
literário que procura “extrair da obra e de tudo o que com ela se relaciona,
ideias gerais, e em elaborar essas ideias tendo em vista formular uma teoria
acerca do que é essencial nos fenômenos literários”. E, nas palavras de Roberto
Acízelo de Souza, ela constitui:
Um
sistema de conceitos integrados que se destina a conceber as manifestações
literárias não como ponto pacífico, no nível do senso comum, mas sim como certa
produção cultural complexa e problemática, cujo conhecimento demanda aplicação
e esforço intelectual (SOUZA, 2018, p. 82).
Do conceito de
Souza podemos retirar algumas conclusões importantes: i) não “conceber as
manifestações literárias como ponto pacífico” significa ter a noção de sua
complexidade, entender que o objeto com o qual se está lidando foge a uma
compreensão simplista; ii) é sempre importante entender que, em Teoria da Literatura,
por se trabalhar com uma “produção cultural complexa e problemática”, nunca
será possível abarcar toda a riqueza do acontecimento literário e é provável
que qualquer conclusão a que cheguemos seja posta abaixo a qualquer momento
pela análise de uma nova obra; iii) se o conhecimento do objeto de estudo da
Teoria da Literatura “demanda aplicação e esforço intelectual”, fica claro que
ela deverá rejeitar as conclusões apriorísticas e o estabelecimento de normas
imutáveis, baseando sua abordagem na análise e compreensão das obras.
Daí já se
depreende que estamos diante de uma disciplina que não pode pretender
assentar-se em solo pacífico, que precisa reconhecer que tão fluido e
multifacetado quanto o seu objeto devem ser suas abordagens e conclusões. Como
toda ciência humana, mas, principalmente, como qualquer estudo a respeito da
arte, a Teoria da Literatura não possui um rol de procedimentos e
nomenclaturas universalmente delimitados e aceitos sem restrições. Ao
contrário, a depender do momento, das filiações teóricas e ideológicas do
estudioso e, principalmente, das particularidades do(s) texto(s) lido(s), tanto
os procedimentos ganharão contornos específicos quanto também a nomenclatura
utilizada na análise e descrição.
Sobre a
natureza da Teoria da Literatura, trago à tona algumas das colocações de
Afrânio Coutinho, em seu livro Notas de teoria literária (2008). Num estudo de
caráter introdutório e que carrega muito da história do próprio professor, que
foi um dos iniciadores da disciplina no Brasil, Coutinho aponta muitas das
principais preocupações que dizem respeito à Teoria da Literatura, entre as
quais destaco: “o estudo do fenômeno literário em si e de seus problemas
fundamentais”; “estudo dos problemas gerais e propedêuticos da Literatura;
métodos da crítica literária; gêneros literários, história das ideias
literárias; análise dos estilos em literatura [...] em suma, todos os problemas
técnicos ligados à criação literária”; “metodologia do trabalho intelectual
aplicado aos estudos literários”; estudo dos textos, com analise, explicação e
interpretação” (p. 16 – 17).
O rol de
colocações a respeito da disciplina, embora amplo, ainda está, aqui, submetido
a uma seleção. Muitas são, ainda, as colocações de Coutinho, entre as quais
estão algumas com que não concordo, como o objetivo de “desenvolver e estimular
as vocações para as letras” (p. 17), o que, a meu ver, está longe de constituir
objetivo de uma disciplina como a Teoria da Literatura. Porém, creio que
justamente pela amplitude, as colocações de Coutinho nos dão uma boa noção
daquilo que constitui o campo de pesquisas com o qual lida cotidianamente o
estudioso filiado à disciplina.
Souza (2018)
destaca que, ao longo da história dos estudos a respeito da literatura, duas atitudes
extremas foram adotadas:
Uma
se caracteriza pelo normativismo, que tende a erigir certas potencialidades da
arte literária em valores absolutos a serem observados por autores e leitores,
o que situa a reflexão no âmbito dos assim chamados argumentos de autoridade.
A outra, ao contrário, opta pelo descritivismo, atitude que favorece a
especulação aberta, receptiva, a hipóteses explicativas diversas e, às vezes,
antagônicas (p. 18 – grifo do autor).
Neste site,
bem como no conjunto de minha produção a respeito do tema, tenho adotado a
segunda atitude, de modo que entendo a Teoria da Literatura como uma
disciplina em constante reavaliação de abordagens e procedimentos e aberta
tanto à mudança de atitudes quanto ao diálogo com as demais áreas do
conhecimento.
De modo mais
específico, posso afirmar que, ao longo do tempo, minha reflexão a respeito da
disciplina tem apontado para a conclusão de que ela surge:
1 – De um impulso:
o impulso natural humano de refletir sobre o mundo e sobre as coisas;
2 – Com um objetivo:
o de dedicar-se à análise das obras literárias e, a partir daí, chegar à
compreensão da natureza do acontecimento literário de um modo geral.
Daí poder-se
afirmar que a Teoria da Literatura não é:
1 – Um
conjunto de métodos de abordagem crítica, primeiro porque ela não pressupõe,
necessariamente, o estabelecimento de juízos de valor, mas sim a observação de
ocorrências; segundo porque não sendo única e predeterminada, não poderia
constituir, por si só, um conjunto de métodos acabados e universais (congrega,
isso sim, diferentes correntes críticas de abordagem da literatura que foram
surgindo e evoluindo à medida em que se foram aperfeiçoando as análises e na
medida em que a literatura foi dialogando com outras artes e expandindo suas
formas de realização – estilística, formalismo, gerativismo, literatura
comparada, hermenêutica, estética da recepção...);
2 – Um
conjunto de preceitos apriorísticos, posto que cada vez mais tem se mostrado inclinada
a evoluir e se reavaliar, adaptando-se ao desenvolvimento do seu próprio
objeto, a literatura;
3 - Mera
especulação, haja vista que se baseia na análise concreta de obras e autores
para, a partir de então, tecer suas considerações e estabelecer os seus
métodos.
É importante
destacar que a expressão Teoria da Literatura (ou Teoria Literária) é de utilização
recente, quando observamos que o estabelecimento de conceitos e normas
relativas à produção literária é milenar, remontando à Grécia Antiga. Durante
muito tempo, coube à Filosofia, à Estética, à Retórica e à Poética o estudo da
natureza da literatura, ora de modo mais normativo, ora de modo descritivo,
este principalmente a partir do final do século XVIII (MOISÉS, 2004; SOUZA,
2018).
É com a
publicação da obra Teoria da Literatura, de René Wellek e Austin Warren
(1976), originalmente em 1949, que a disciplina definitivamente delimita o seu
objeto (evitando contemplar textos não literários, algo que era comum
anteriormente) e define algumas de suas principais preocupações no campo da
literatura, além, claro, de “ganhar um nome”. A partir da publicação do livro
de Wellek e Warren¹, vários outros manuais surgiram ao longo do século XX,
trazendo em seu título as expressões “teoria da literatura” (AMORA, 2006; TODOROV,
2013; SOUZA, 2018; AGUIAR E SILVA, 2018; EAGLETON, 2019) ou “teoria literária”
(PORTELLA, 1979; TAVARES, 2002; SAMUEL, 2011, COUTINHO, 2018), que tenho
considerado como sinônimas, embora prefira adotar o primeiro termo.
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NOTA:
1 – Souza
(2018, p. 78), no entanto, embora atribua a Wellek e Warren o status de
inauguradores da disciplina de Teoria da Literatura, tanto lhe dando um nome
quanto estabelecendo de modo mais fundamentado o seu campo, indica obras
surgidas antes do seu famoso livro (de 1949) que já traziam a expressão “teoria
da literatura” em seu título: Teoria da Literatura, de Estevão da Cruz e
Princípios Elementares de Literatura: teoria literária, de Augusto Magne
(ambas de 1935), além de Teoria da Literatura, de Antônio Soares Amora
(de 1944).
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Professor Weslley Barbosa