A crítica literária deve se basear nas impressões
lúcidas do crítico a respeito da obra literária, mas não deve ser escrava de
suas predileções nem de seus preconceitos. É assim que se pode resumir o ponto
de vista de Machado de Assis presente em “O ideal do crítico”, ensaio publicado
no diário do Rio de Janeiro, em 8 de outubro de 1865 e que demonstra uma
consciência já bastante amadurecida do autor de “Dom Casmurro”. Para Machado, a
crítica tem uma função nobre: inspirar os autores, tornar-se o grande norte a
ser seguido por aqueles que pretendam produzir literatura.
Para isso, não basta ao crítico reproduzir
achismos, utilizar frases feitas, deixar-se levar por opiniões vagas e de
momento. Há que se empreender um cuidadoso processo de estudo da obra, que
necessariamente há de iniciar-se com a meditação profunda sobre o texto, para
depois “aplicar-lhe as leis poéticas” (2015, vol. 3, p. 1081).
Ciente da necessária base analítica do labor
crítico, adiantando já no século XIX muito daquilo que seria propagado ao longo
da segunda metade do século XX por grandes estudiosos da literatura (Antonio Candido,
Massaud Moisés, Wendel Santos), Machado assevera: “crítica é análise – a crítica
que não analisa é a mais cômoda, mas não pode pretender a ser fecunda” (idem,
ibdem). Portanto, submeter a obra a um olhar cuidadoso e especializado, ter uma
noção daquilo que constitui a arte da qual está tratando, entender as especificidades
do gênero literário, entender das relações que a obra propõe são capacidades
inegociáveis do crítico.
Sendo uma tarefa que pressupõe a expressão de um
juízo de valor a respeito das obras, a crítica não deve, portanto, ficar à
mercê das simpatias e antipatias do crítico. O tal juízo que se espera deve ser
sincero. Nesse sentido, Machado indica-nos o caminho a seguir:
a
crítica útil e verdadeira será aquela que, em vez de modelar as suas sentenças
por um interesse, quer seja o interesse do ódio, quer o da adulação ou da
simpatia, procure produzir unicamente os juízos da sua consciência (idem, ibdem).
Com “juízos da sua consciência” Machado pretende
apontar para um imperativo inconteste: o da fidelidade às impressões surgidas
da análise, sem que “os seus interesses pessoais, nem os alheios” interfiram no
julgamento.
Além disso, romper preconceitos em relação a
determinada tendência estética ou escola literária é fundamental. Não cabe ao
crítico rechaçar ou exaltar uma obra literária pelo simples fato de ela ser oriunda
ou não da sua escola favorita. A isso acrescentaríamos também a obrigação de
não se deixar levar por preconceitos de ordem ideológica, religiosa etc. Em
nossos tempos, mais que nos de Machado de Assis, elementos exteriores ao texto têm
pesado na classificação de uma obra como boa ou má, válida ou não, digna de
leitura ou do esquecimento. Isso é sempre um perigo!
A polidez e a urbanidade também são fundamentais
para Machado. Se a imparcialidade é o combustível de uma crítica verdadeira e
útil, a urbanidade é-o de uma crítica edificante. A crítica bem fundamentada e
apresentada por meio das palavras corretas, para Machado, será fecunda, se
apresentará como verdadeiro conselho valioso para o escritor estreante. E
afirma: “uma crítica que, para expressão das suas ideias, só encontra fórmulas
ásperas, pode perder as esperanças de influir e dirigir” (idem, p. 1082).
Nos parágrafos finais do texto, Machado resume suas
ideias sobre a crítica literária em quatro pontos fulcrais: i) análise: “saber
a matéria em que fala, procurar o espírito de um livro, escarná-lo,
aprofundá-lo” (idem, p. 1083); ii) coerência: “adotar uma regra
definida, a fim de não cair na contradição” (idem, ibdem); iii) franqueza e urbanidade:
“ser franco, sem aspereza” (idem, ibdem); iv) independência: ser “independente
sem injustiça” (idem, ibdem).
Num tom quase idealista, Machado encerra seu texto
sonhando com o dia em que o ideal do crítico possa, enfim, realizar-se (no
fundo, seu ideal enquanto crítico e escritor): “se essa reforma que eu sonho,
sem esperanças de uma realização próxima, viesse mudar a situação atual das coisas,
que talentos novos! que novos escritos! que estímulos! que ambições!” (idem,
ibdem). Talvez o momento que Machado esperava jamais chegue a existir de fato,
talvez ele até já tenha passado... O que se pode esperar atualmente é que a
crítica, ao mesmo, sobreviva e resista. Que não morra o ofício de estudar a
literatura com conhecimento de causa e independência. Se isso for possível, já
se terá dado grande passo!
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