18/04/2022

O MARTÍRIO DO ARTISTA: a concepção de arte em "Eu", de Augusto dos Anjos


Se há na poesia de Augusto dos Anjos um aspecto que ainda precisa ser explorado mais profundamente, este é, com certeza, a relação do autor de Versos íntimos com o fazer artístico. E, deve-se ressaltar, em Augusto a concepção de arte e a forma como lida com sua produção está intimamente ligada à compreensão de sua própria condição no mundo. Neste breve estudo tentarei apresentar algumas facetas da metalinguagem presentes em Eu (2012)¹, único livro publicado pelo autor. Antes, todavia, para uma melhor compreensão da visão de mundo que perpassa toda a obra (que nos ajudará a perceber como o eu lírico vê a si mesmo e aquilo que consigo se relaciona), apresentarei uma pequena discussão, de caráter mais geral.

 

A consciência de si mesmo é, em Augusto dos Anjos, marcada pelo estigma daquilo que Chico Viana nomeou, em seu texto A estética dissonante de Augusto dos Anjos, “de desconforto com a hereditariedade” (VIANA, 2003, p.49). Assim é que, em Psicologia de um vencido (p. 32), ele revela: “sofro, desde a epigênese da infância, / a influência má dos signos do zodíaco”. Tal consciência de uma má fadada herança, que traz consigo a triste sina que ele deverá carregar por toda a vida, une-se à sua única certeza, a do fim, da decomposição, para formar um ambiente propício a uma poesia amargurada e pessimista.

 

Veja-se, a exemplo disso, este verso de Monólogo de uma sombra: “a podridão me serve de Evangelho...” (p. 26). Se a princípio esta afirmação é atribuída pelo próprio eu lírico à “Sombra” de que se fala no título, não cremos ser demais interpretá-la como perfeitamente cabível numa confissão que pudesse surgir do poeta. Ora, sabemos que “evangelho” é um termo associado aos livros do Novo Testamento que narram a vida e os ensinamentos de Cristo. Logo, o verso destacado evidencia a certeza, daquele que fala, de que a podridão é e será uma constante em sua existência. Não parece o próprio poeta falando? A podridão lembra, de imediato, “decomposição”, um leitmotiv² muito presente em seus textos, levando a perceber que, se as palavras da Sombra o tocaram de tal forma a ponto de ferir-lhe “as auditivas portas” (p. 30), é porque encontram alguma ressonância em sua subjetividade.

 

Tais considerações são importantes porque certamente nos dão a noção do eu lírico pessimista e amargurado com o qual vamos nos deparar ao longo de todo o livro. A poesia de Augusto não vislumbra um destino pacífico e belo. Ela não compreende o ser como alguém passível de felicidade e realização, pois seu destino já está traçado e é ele o grande peso que deve ser carregado: “eu vejo enfim, com a alma vencida, / na abjeção embriológica da vida / o futuro cinza que me aguarda” (Mistérios de um fósforo, p. 144). Nem mesmo a saciedade física, o desejo, o amor, lhe servem de alento. Logo, sua compreensão da arte e da poesia não poderia ser positiva. Para ele, o poeta jamais consegue se expressar satisfatoriamente. Há uma constante polarização entre “a Ideia” (a matéria com a qual se poderia produzir, que nunca é realmente apreendida) e o poeta, aquele que busca escrever ou falar, sempre sem êxito.

 

Passando adiante e já procedendo na abordagem de textos que tratem especificamente daquilo que nos propomos a analisar, podemos perceber que, assim como acontece em Monólogo de uma sombra, é também de outro a voz que surge em As cismas do destino e anuncia a inutilidade da busca empreendida pelo eu lírico:

 

Homem! Por mais que a Ideia desintegres,

Nessas perquisições que não têm pausa,

Jamais, magro homem, saberás a causa

De todos os fenômenos alegres!

 

Em vão, com a bronca enxada árdega, sondas

A estéril terra, e a hialina lâmpada oca,

Trazes, por perscrutar (oh! ciência louca!)

O conteúdo das lágrimas hediondas (p. 45).

 

         A busca é vã e o motivo é claro: há uma marcante incompatibilidade entre aquele que busca e aquilo que é buscado. Veja-se, por exemplo, o adjetivo utilizado pelo Destino para especificar “fenômenos”: “alegres”. Já o eu lírico e suas ferramentas são especificados com “bronca”, “oca”, “louca” etc. Aliás, a análise dos adjetivos na obra de Augusto dos Anjos dá um tratado!

 

“Jamais saberás a causa”... Essa impossibilidade certamente aterroriza o eu lírico de Augusto, tão afeito às indagações (todo o Eu é perpassado por interrogações), a ponto de, na quarta parte do poema, após findar-se a intervenção do Destino, ele mostrar-se tão desesperado a ponto de puxar “os cabelos desgrenhados” (p. 50). E não é à toa. Veja-se o que o é dito sobre o poeta:

 

Poeta, feto malsão, criado com os sucos

De um leite mau, carnívoro asqueroso,

Gerado no atavismo monstruoso

Da alma desordenada dos malucos;

 

Última das criaturas inferiores

Governada por átomos mesquinhos,

Teu pé mata a uberdade dos caminhos

E esteriliza os ventres geradores! (p. 48)

 

Curioso, pois normalmente o poeta é associado à criação, sendo sua obra bela e rica de possibilidades interpretativas. No trecho destacado, entretanto, ele é apresentado como “última das criaturas inferiores”, sendo, ao contrário daquele que cria, aquele que “esteriliza os ventres geradores”. “Carnívoro asqueroso”, o poeta é aquele que se alimenta da vida, que lhe suga a matéria, sendo sua busca pelo mais recôndito da subjetividade interpretada muito mais como um parasitismo que como uma sondagem natural e necessária da natureza humana.

 

Entretanto, talvez sequer fossem necessárias as palavras do Destino. O poeta já sabe de sua desventura: “um urubu pousou na minha sorte” (Budismo moderno, p. 51). O fado que acompanha o artista “contamina” a obra e pouco ou nada sobra em seus poemas para o sentimentalismo ou para o estabelecimento de ideais. Neste sentido, ele afirma: “é por isso que na minha lira / de amores fúteis poucas vezes falo” (Idealismo, p. 54).

 

E quando fala de “amor”, o faz de modo a reafirmar a sua única certeza: a da finitude: “amo o coveiro – este ladrão comum /que arrasta a gente para o cemitério” (Último credo, p. 54). E está claro o motivo: se a morte e a decomposição são as únicas certezas, o coveiro é o responsável, como alguém que “abre o caminho”, por garantir que se inicie o “transcendentalíssimo mistério”. É também o coveiro o responsável por manter a esperança de que “o homem universal de amanhã vença / o homem particular que eu ontem fui!”.

Indo adiante, chegamos num poema que representa perfeitamente a concepção de arte e de artista em Augusto dos Anjos:

 

O MARTÍRIO DO ARTÍSTA

 

Arte ingrata! E conquanto, em desalento,

A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,

Busca exteriorizar o pensamento

Que em suas fronetais células guarda!

 

Tarda-lhe a Ideia! A inspiração lhe tarda!

E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,

Como o soldado que rasgou a farda

No desespero do último momento!

 

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...

É como o paralítico que, à míngua

Da própria voz, e na que ardente o lavra

 

Febre de em vão falar, com os dedos brutos

Para falar, puxa e repuxa a língua,

E não lhe vem à boca uma palavra! (p. 75)

 

O primeiro verso traz, já de início, uma expressão que resume bem a ideia de fazer artístico presente em toda a obra: o adjetivo “ingrata”. A exclamação parece marcar uma expressão dita em solilóquio, como que fruto da luta do poeta na tentativa de produzir algo. A conjunção “conquanto” é extremamente significativa, principalmente porque é ela que vai marcar a resistência de que se falará nos versos seguintes. Mas não se trata de uma resistência fundamentada na esperança. Parece haver a certeza do malogro, ou pelo menos a incerteza do sucesso, o que fica claro com a presença da expressão “em desalento”.

 

O verso seguinte traz uma utilização bem augustiana: “órbita elipsoidal”. Trata-se da cavidade onde repousa o globo ocular. E aqui ela surge envolta em sofrimento, ardendo. Talvez o sono, o cansaço, a fadiga de tanto focar o papel sejam elementos determinantes para essa ardência. Mas o eu lírico não desiste, e, retomando a expressão do primeiro verso, mesmo em “desalento”, “busca exteriorizar o pensamento”.

 

Tal verso nos mostra que o “feto malsão”, aquele que “esteriliza os ventres geradores”, nas palavras do Destino que trouxemos acima, nunca desiste da criação. Ao contrário, sua tarefa constante é a busca da expressão, da estrutura linguística que consiga plasmar os produtos de sua mente.

 

Aliás, a busca por exteriorizar o pensamento é também o tema de outro poema de Augusto que trata da relação entre artista e arte: A ideia (p. 31). Lá o problema é o “molambo da língua paralítica” onde esbarra a “luz”, metáfora da ideia. Luz esta que, é preciso destacar, empreende uma verdadeira “luta” para formar-se e superar o “encéfalo absconso que a constringe”, acabando, entretanto, “tísica, tênue, mínima, raquítica” ao chegar “às cordas do laringe”.

 

Mas, voltemos ao Martírio do artista. O último verso da primeira estrofe também traz alguma semelhança com o poema A ideia. Isto porque aquele pensamento apresentado no terceiro verso está “guardado” nas fronetas. Sendo estruturas responsáveis pela formação do pensamento, inferimos que as fronetas obviamente estão localizas em pontos remotos da fisiologia humana. Logo, o pensamento precisa, também neste poema, encontrar forças para superar os obstáculos que se lhe impõem e ser exteriorizado, a exemplo da luz que, no outro poema, precisa cair de “incógnitas criptas misteriosas”.

 

No segundo quarteto, o primeiro verso traz a sentença tão cruel a qualquer artista: “tarda-lhe a Ideia!”. A exclamação, novamente utilizada, dá maior ênfase à expressão (no período seguinte ocorre o mesmo), muda o tom, confere-lhe mais força, fazendo-nos imaginar o cenho cerrado do eu lírico ao proferi-la. A inicial maiúscula, característica muito comum no simbolismo, acentua o caráter de absolutização do vocábulo. Em seguida, a oração “a inspiração lhe tarda!”, por se constituir praticamente na repetição da ideia já expressa, além de ressaltar o que se pretende afirmar, ainda nos leva a crer que o eu lírico busca mesmo reproduzir uma sucessão de insucessos e, a cada constatação de malogro, uma nova expressão de protesto surge.

 

A paciência se esgota, os nervos ficam à flor da pele... “e ei-lo a tremer”.  Se antes não podia controlar os impulsos de sua mente, vendo frustradas as suas tentativas de expressar-se, agora o artista também já não controla o seu próprio corpo. O sofrimento é aparente. E tanto o é que, em seguida, ele “rasga o papel, violento”. Rasgar a folha que, pelo que foi dito até então, permanece branca, é muito mais que o simples gesto de descartar um rascunho: parece mesmo uma renúncia, o abandono de um ideal (neste caso o da escrita, da produção). Os dois versos seguintes trazem uma comparação muito significativa. É que, para o eu lírico, rasgar o papel se assemelha ao ato de rasgar a farda que fosse realizado por um soldado. Rasgar a farda parece a atitude típica de quem abandona o patriotismo (a farda é um dos símbolos da nação defendida em combate), revoltando-se com a sua condição. Sente-se inútil e percebe que é vão o seu ofício. Volta-se contra aquilo que há pouco defendia. É justamente esta a atitude que o ato de rasgar o papel representa: revolta.

 

A terceira estrofe traz logo de início a tentativa malograda de chorar. Aqui temos um verso que pode ser interpretado a partir de duas possibilidades. Primeiramente, seguindo aquilo que está exposto na superfície textual, vemos um artista amargurado que sequer consegue chorar, extravasar seus sentimentos. Buscando adentrar mais profundamente na estrutura, podemos sugerir que há no verso em questão a explicitação de algo que não flui, de uma nascente da qual não brota nada. “Seco”, o artista não consegue ver surgir de si o jorro que lhe aliviaria a consciência. Não cremos que procede em erro aquele que interprete “choro” e “olhos enxutos” como metáforas para produção poética e falta de inspiração. São possibilidades para as quais o verso e principalmente o poema como um todo apontam.

 

O verso seguinte traz a comparação do poeta com o paralítico, de onde a sua impossibilidade de reação, sua incapacidade de agir, de produzir algo. Em seguida temos alguns versos que podem ocasionar um travamento na leitura, tanto por sua pontuação quanto pela organização sintática. Tentarei, entretanto, esclarecê-los.

 

O poeta, “é como o paralítico que (...) puxa e repuxa a língua”: eis a estrutura principal. O mais que existe, entre estas duas expressões, é aposto ou complemento verbal. Logo, trabalhando as microestruturas sintáticas, nos vários níveis que se apresentam, temos que “o paralítico está à míngua”, “o paralítico... com os dedos brutos...” e, como já dito, “o paralítico... puxa e repuxa...”.

 

Assim, tendo sido elucidada a organização textual, passemos ao segundo verso do primeiro terceto. Incapaz de reagir, o paralítico (que, já sabemos, é comparável ao artista e, portanto, podemos tomar o que é dito como aplicável a este último) está “à míngua / da própria voz”: sente sua voz, sua capacidade de expressão, escassa. Logo, o poeta, comparável a este paralítico, certamente também sente que sua subjetividade já não possui forças para traçar a mais simples estrofe no papel, para soletrar o mais singelo verso.

 

Em seguida, prosseguindo na comparação, vemo-lo imerso numa “ardente febre de em vão falar que o lavra”, se colocarmos o período em ordem. Além de imóvel, sem possível reação, posto que “paralítico”, agora o artista padece de forte febre, proporcionada pelas tentativas “em vão” de pronunciar ou escrever alguma coisa. A utilização do pronome oblíquo átono “o” traz algo inusitado: o paralítico/artista “é lavrado”, e a ação é executada pela febre. Levando em conta que “lavrar”, de acordo com o Aurélio, pode possuir vários sentidos, como preparar a terra, sulcar, lapidar corroer, etc., acreditamos que o mais adequado ao caso em análise é o de “corroer”. Logo, finalizando a compreensão do trecho em análise, temos um indivíduo corroído pela ardente febre que a busca vã pela expressão lhe causa.

 

E é da parte final do primeiro verso da última estrofe que nos vem uma imagem desoladora. Representa-a a expressão “com os dedos brutos”. E dizemos “desoladora” porque ela surge a propósito de nos falar da degradação do humano. Isto, aplicado ao artista, seguindo ainda a comparação proposta, representa praticamente uma regressão. Ora, na primeira estrofe tínhamos um artista que empreendia uma amarga luta para exteriorizar o pensamento que guardava nas “fronetais células”. Ele sofria, mas havia uma “busca” pela expressão. Havia, portanto, uma atitude racional de quem procurava expor suas ideias e, diante das dificuldades surgidas, não se rendia. Pouco a pouco, entretanto, fomos vendo esse artista perder o autocontrole, começar a “tremer”, rasgar o papel... Mais a frente ele já é comparado com um paralítico, alguém já totalmente submetido aos jugos da impossibilidade criadora. Agora, como que descendo cada vez mais, surge, a partir da imagem do paralítico e sua luta em busca da expressão, como um bruto, alguém totalmente desprovido de racionalidade e que em gestos quase animalescos, tenta na força física extrair de si alguma palavra. Ver-se comparável a alguém bruto, para o artista, que busca sempre a beleza estética e as sondagens da alma, é,  certamente, o pior dos cenários.

 

Se acima falamos em gestos “animalescos” foi porque o pensamento racional não conceberia tal impulso, posto que dificilmente o “puxar a língua” consegue exibir a palavra que a mente não imaginou. Mas, é justamente esta a ideia que surge nos dois primeiros versos da última estrofe quando pensamos no poeta enquanto aquele que usa “os dedos brutos”. Na busca por falar, o artista, já paralisado, já acometido por forte febre, já brutalizado, “com os dedos brutos (...) puxa e repuxa a língua”. O resultado, como seria óbvio esperar, é nulo: “e não lhe vem à boca uma palavra!”.

 

No início deste ensaio citamos o trecho de Monólogo de uma sombra: “a podridão me serve de Evangelho!”. Com tal certeza apresentada pelo próprio eu lírico não é de estranhar que, quando tratando de sua relação com a arte, o clima seja também marcado pelo viés negativista, uma vez que ali também há a presença da degradação. Foi justamente isto que observamos no poema que acabamos de analisar. Pouco a pouco, diante da luta inglória para produzir algo, o artista se foi degradando, perdendo suas forças e sua capacidade de controle. E é assim que ele surge corroído no primeiro terceto e brutalizado no último.

 

Todavia, observando o livro como um todo, percebemos que a certeza da degradação e a incapacidade de produzir a arte que deseja (presente em O martírio do artista e A ideia) não desestimulam o eu lírico a produzir. Pelo contrário, ele resiste, permanece sondando a condição humana e mesmo o próprio sentido de sua poesia. Assim nos diz em Gemidos de arte:

 

Súbito, arrebentando a horrenda calma,

Grito, e se grito é para que meu grito

Seja a revelação deste Infinito

Que eu trago encarcerado na minh'alma! (p. 85)

 

A estrofe destacada é a penúltima de um total de quarenta e duas presentes no texto. Portanto, ela surge marcando uma reação ao que sucedera antes. Até então ele apenas observava uma série de acontecimentos e imagens sombrias (“o cupim negro broca o âmago fino / do teto”, p. 83) e confessava suas opiniões e desejos (“Gosto do sol ignívomo e iracundo”, idem; “seja este sol meu último consolo”, p. 84). Porém, “súbito, arrebentando a horrenda calma”, ele parece perceber que seu destino é outro. E por isso “grita”, se expressa, desabafa os seus sentimentos. Novamente a imagem da ideia presa (como se fosse inalcançável, inatingível), guardada num ponto ermo do cérebro: “que trago encarcerado na minh’alma”. Certamente esse grito não se dá de forma pacífica. Provavelmente em algum momento o “infinito” que ele traz consigo esbarrará novamente em algum obstáculo, mas sua poesia é uma arma de resistência e ele permanecerá lutando (ainda que, paradoxalmente, ele saiba que essa luta é inútil).

 

Estou ciente de que muitas outras considerações poderiam ser apresentadas e outros textos poderiam ser explorados. Mas a escolha por O martírio do artista não se deu sem propósito. É que este texto, ao contrário de A ideia, por exemplo, que apenas citei, ainda não tem uma grande quantidade de leituras. Logo, embora muitos textos que tocam na questão da concepção de arte em Augusto dos Anjos tenham sido citados apenas de forma resumida, optei por me deter naquele que ainda não foi explorado em todas as suas possibilidades para, desta forma, ampliar o leque de estudo para aqueles que desejam se iniciar na poesia do autor de Debaixo do tamarindo.

 

Perceba-se que o foco adotado esteve direcionado para o Eu, não considerando os poemas que estão presentes em Outras poesias, parte que reúne textos não compilados pelo poeta em sua primeira publicação e que só depois de sete anos (em 1919) foram agregados aos outros já publicados, a partir da seleção feita por Orris Soares. Assim, por exemplo, não considerei Apocalipse (p. 147), texto que tem uma postura bem diferente dos aqui analisados (contendo expressões como “Minha divinatória arte” e “eu só (...) A única luz tragicamente acesa”). A presença de um poema como este entre os “outros poemas” não invalida, a meu ver, as colocações aqui tecidas. Ao contrário, não fazendo parte da publicação idealizada pelo próprio Augusto, creio que o referido poema não constituía propriamente um modelo de sua visão de mundo.

 

Além disto, O martírio é um dos textos que melhor se poderiam prestar ao propósito adotado, pois há nele não apenas a dificuldade de se expressar, elemento tão comum nos poemas metalinguísticos, mas, principalmente, a imagem daquele que talvez não sofra porque não consegue escrever, mas sim daquele que não consegue escrever porque sofre.

 

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NOTAS:

 

1 – Livro originalmente publicado em 1912. A edição que utilizei aqui para as citações foi a Toda poesia de Augusto dos Anjos (2020). Para ver a referência completa, acesse a página das referências.

 

2 - Termo de origem alemã que significa “motivos geradores”.

 

 

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Professor Weslley Barbosa