Se há na
poesia de Augusto dos Anjos um aspecto que ainda precisa ser explorado mais
profundamente, este é, com certeza, a relação do autor de Versos íntimos com o fazer artístico. E, deve-se ressaltar, em
Augusto a concepção de arte e a forma como lida com sua produção está
intimamente ligada à compreensão de sua própria condição no mundo. Neste breve
estudo tentarei apresentar algumas facetas da metalinguagem presentes em Eu (2012)¹, único livro publicado pelo
autor. Antes, todavia, para uma melhor compreensão da visão de mundo que
perpassa toda a obra (que nos ajudará a perceber como o eu lírico vê a si mesmo
e aquilo que consigo se relaciona), apresentarei uma pequena discussão, de
caráter mais geral.
A consciência
de si mesmo é, em Augusto dos Anjos, marcada pelo estigma daquilo que Chico
Viana nomeou, em seu texto A estética
dissonante de Augusto dos Anjos, “de desconforto com a hereditariedade”
(VIANA, 2003, p.49). Assim é que, em Psicologia
de um vencido (p. 32), ele revela: “sofro, desde a epigênese da infância, /
a influência má dos signos do zodíaco”. Tal consciência de uma má fadada
herança, que traz consigo a triste sina que ele deverá carregar por toda a vida, une-se à sua única certeza, a do fim, da decomposição, para formar um
ambiente propício a uma poesia amargurada e pessimista.
Veja-se, a
exemplo disso, este verso de Monólogo de
uma sombra: “a podridão me serve de Evangelho...” (p. 26). Se a princípio
esta afirmação é atribuída pelo próprio eu lírico à “Sombra” de que se fala no
título, não cremos ser demais interpretá-la como perfeitamente cabível numa
confissão que pudesse surgir do poeta. Ora, sabemos que “evangelho” é um termo
associado aos livros do Novo Testamento
que narram a vida e os ensinamentos de Cristo. Logo, o verso destacado
evidencia a certeza, daquele que fala, de que a podridão é e será uma constante
em sua existência. Não parece o próprio poeta falando? A podridão lembra, de
imediato, “decomposição”, um leitmotiv² muito presente em seus textos,
levando a perceber que, se as palavras da Sombra o tocaram de tal forma a ponto
de ferir-lhe “as auditivas portas” (p. 30), é porque encontram alguma
ressonância em sua subjetividade.
Tais
considerações são importantes porque certamente nos dão a noção do eu lírico
pessimista e amargurado com o qual vamos nos deparar ao longo de todo o livro.
A poesia de Augusto não vislumbra um destino pacífico e belo. Ela não
compreende o ser como alguém passível de felicidade e realização, pois seu
destino já está traçado e é ele o grande peso que deve ser carregado: “eu vejo
enfim, com a alma vencida, / na abjeção embriológica da vida / o futuro cinza
que me aguarda” (Mistérios de um fósforo,
p. 144). Nem mesmo a saciedade física, o desejo, o amor, lhe servem de alento.
Logo, sua compreensão da arte e da poesia não poderia ser positiva. Para ele, o
poeta jamais consegue se expressar satisfatoriamente. Há uma constante
polarização entre “a Ideia” (a matéria com a qual se poderia produzir, que
nunca é realmente apreendida) e o poeta, aquele que busca escrever ou falar,
sempre sem êxito.
Passando
adiante e já procedendo na abordagem de textos que tratem especificamente
daquilo que nos propomos a analisar, podemos perceber que, assim como acontece
em Monólogo de uma sombra, é também
de outro a voz que surge em As cismas do
destino e anuncia a inutilidade da busca empreendida pelo eu lírico:
Homem!
Por mais que a Ideia desintegres,
Nessas
perquisições que não têm pausa,
Jamais,
magro homem, saberás a causa
De
todos os fenômenos alegres!
Em
vão, com a bronca enxada árdega, sondas
A
estéril terra, e a hialina lâmpada oca,
Trazes,
por perscrutar (oh! ciência louca!)
O
conteúdo das lágrimas hediondas (p. 45).
A busca é vã e o motivo é claro: há uma
marcante incompatibilidade entre aquele que busca e aquilo que é buscado.
Veja-se, por exemplo, o adjetivo utilizado pelo Destino para especificar
“fenômenos”: “alegres”. Já o eu lírico e suas ferramentas são especificados com
“bronca”, “oca”, “louca” etc. Aliás, a análise dos adjetivos na obra de Augusto
dos Anjos dá um tratado!
“Jamais
saberás a causa”... Essa impossibilidade certamente aterroriza o eu lírico de
Augusto, tão afeito às indagações (todo o Eu
é perpassado por interrogações), a ponto de, na quarta parte do poema, após
findar-se a intervenção do Destino, ele mostrar-se tão desesperado a ponto de
puxar “os cabelos desgrenhados” (p. 50). E não é à toa. Veja-se o que o é dito
sobre o poeta:
Poeta,
feto malsão, criado com os sucos
De
um leite mau, carnívoro asqueroso,
Gerado
no atavismo monstruoso
Da
alma desordenada dos malucos;
Última
das criaturas inferiores
Governada
por átomos mesquinhos,
Teu
pé mata a uberdade dos caminhos
E
esteriliza os ventres geradores! (p. 48)
Curioso, pois
normalmente o poeta é associado à criação, sendo sua obra bela e rica de
possibilidades interpretativas. No trecho destacado, entretanto, ele é
apresentado como “última das criaturas inferiores”, sendo, ao contrário daquele
que cria, aquele que “esteriliza os ventres geradores”. “Carnívoro asqueroso”,
o poeta é aquele que se alimenta da vida, que lhe suga a matéria, sendo sua
busca pelo mais recôndito da subjetividade interpretada muito mais como um
parasitismo que como uma sondagem natural e necessária da natureza humana.
Entretanto,
talvez sequer fossem necessárias as palavras do Destino. O poeta já sabe de sua
desventura: “um urubu pousou na minha sorte” (Budismo moderno, p. 51). O fado que acompanha o artista “contamina”
a obra e pouco ou nada sobra em seus poemas para o sentimentalismo ou para o
estabelecimento de ideais. Neste sentido, ele afirma: “é por isso que na minha
lira / de amores fúteis poucas vezes falo” (Idealismo, p. 54).
E quando fala
de “amor”, o faz de modo a reafirmar a sua única certeza: a da finitude: “amo o
coveiro – este ladrão comum /que arrasta a gente para o cemitério” (Último credo, p. 54). E está claro o
motivo: se a morte e a decomposição são as únicas certezas, o coveiro é o
responsável, como alguém que “abre o caminho”, por garantir que se inicie o
“transcendentalíssimo mistério”. É também o coveiro o responsável por manter a
esperança de que “o homem universal de amanhã vença / o homem particular que eu
ontem fui!”.
Indo adiante,
chegamos num poema que representa perfeitamente a concepção de arte e de
artista em Augusto dos Anjos:
O
MARTÍRIO DO ARTÍSTA
Arte
ingrata! E conquanto, em desalento,
A
órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca
exteriorizar o pensamento
Que
em suas fronetais células guarda!
Tarda-lhe
a Ideia! A inspiração lhe tarda!
E
ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como
o soldado que rasgou a farda
No
desespero do último momento!
Tenta
chorar e os olhos sente enxutos!...
É
como o paralítico que, à míngua
Da
própria voz, e na que ardente o lavra
Febre
de em vão falar, com os dedos brutos
Para
falar, puxa e repuxa a língua,
E
não lhe vem à boca uma palavra! (p. 75)
O primeiro
verso traz, já de início, uma expressão que resume bem a ideia de fazer
artístico presente em toda a obra: o adjetivo “ingrata”. A exclamação parece
marcar uma expressão dita em solilóquio, como que fruto da luta do poeta na
tentativa de produzir algo. A conjunção “conquanto” é extremamente
significativa, principalmente porque é ela que vai marcar a resistência de que
se falará nos versos seguintes. Mas não se trata de uma resistência
fundamentada na esperança. Parece haver a certeza do malogro, ou pelo menos a
incerteza do sucesso, o que fica claro com a presença da expressão “em
desalento”.
O verso
seguinte traz uma utilização bem augustiana: “órbita elipsoidal”. Trata-se da
cavidade onde repousa o globo ocular. E aqui ela surge envolta em sofrimento,
ardendo. Talvez o sono, o cansaço, a fadiga de tanto focar o papel sejam
elementos determinantes para essa ardência. Mas o eu lírico não desiste, e,
retomando a expressão do primeiro verso, mesmo em “desalento”, “busca
exteriorizar o pensamento”.
Tal verso nos
mostra que o “feto malsão”, aquele que “esteriliza os ventres geradores”, nas
palavras do Destino que trouxemos acima, nunca desiste da criação. Ao
contrário, sua tarefa constante é a busca da expressão, da estrutura
linguística que consiga plasmar os produtos de sua mente.
Aliás, a busca
por exteriorizar o pensamento é também o tema de outro poema de Augusto que
trata da relação entre artista e arte: A
ideia (p. 31). Lá o problema é o “molambo da língua paralítica” onde
esbarra a “luz”, metáfora da ideia. Luz esta que, é preciso destacar, empreende
uma verdadeira “luta” para formar-se e superar o “encéfalo absconso que a
constringe”, acabando, entretanto, “tísica, tênue, mínima, raquítica” ao chegar
“às cordas do laringe”.
Mas, voltemos ao Martírio do artista. O último verso
da primeira estrofe também traz alguma semelhança com o poema A ideia. Isto porque aquele pensamento
apresentado no terceiro verso está “guardado” nas fronetas. Sendo estruturas
responsáveis pela formação do pensamento, inferimos que as fronetas obviamente
estão localizas em pontos remotos da fisiologia humana. Logo, o pensamento
precisa, também neste poema, encontrar forças para superar os obstáculos que se
lhe impõem e ser exteriorizado, a exemplo da luz que, no outro poema, precisa
cair de “incógnitas criptas misteriosas”.
No segundo
quarteto, o primeiro verso traz a sentença tão cruel a qualquer artista:
“tarda-lhe a Ideia!”. A exclamação, novamente utilizada, dá maior ênfase à
expressão (no período seguinte ocorre o mesmo), muda o tom, confere-lhe mais
força, fazendo-nos imaginar o cenho cerrado do eu lírico ao proferi-la. A
inicial maiúscula, característica muito comum no simbolismo, acentua o caráter
de absolutização do vocábulo. Em seguida, a oração “a inspiração lhe tarda!”,
por se constituir praticamente na repetição da ideia já expressa, além de
ressaltar o que se pretende afirmar, ainda nos leva a crer que o eu lírico
busca mesmo reproduzir uma sucessão de insucessos e, a cada constatação de
malogro, uma nova expressão de protesto surge.
A paciência se
esgota, os nervos ficam à flor da pele... “e ei-lo a tremer”. Se antes não podia controlar os impulsos de
sua mente, vendo frustradas as suas tentativas de expressar-se, agora o artista
também já não controla o seu próprio corpo. O sofrimento é aparente. E tanto o
é que, em seguida, ele “rasga o papel, violento”. Rasgar a folha que, pelo que
foi dito até então, permanece branca, é muito mais que o simples gesto de
descartar um rascunho: parece mesmo uma renúncia, o abandono de um ideal (neste
caso o da escrita, da produção). Os dois versos seguintes trazem uma comparação
muito significativa. É que, para o eu lírico, rasgar o papel se assemelha ao
ato de rasgar a farda que fosse realizado por um soldado. Rasgar a farda parece
a atitude típica de quem abandona o patriotismo (a farda é um dos símbolos da
nação defendida em combate), revoltando-se com a sua condição. Sente-se inútil
e percebe que é vão o seu ofício. Volta-se contra aquilo que há pouco defendia.
É justamente esta a atitude que o ato de rasgar o papel representa: revolta.
A terceira
estrofe traz logo de início a tentativa malograda de chorar. Aqui temos um
verso que pode ser interpretado a partir de duas possibilidades. Primeiramente,
seguindo aquilo que está exposto na superfície textual, vemos um artista
amargurado que sequer consegue chorar, extravasar seus sentimentos. Buscando
adentrar mais profundamente na estrutura, podemos sugerir que há no verso em
questão a explicitação de algo que não flui, de uma nascente da qual não brota
nada. “Seco”, o artista não consegue ver surgir de si o jorro que lhe aliviaria
a consciência. Não cremos que procede em erro aquele que interprete “choro” e
“olhos enxutos” como metáforas para produção poética e falta de inspiração. São
possibilidades para as quais o verso e principalmente o poema como um todo
apontam.
O verso
seguinte traz a comparação do poeta com o paralítico, de onde a sua impossibilidade
de reação, sua incapacidade de agir, de produzir algo. Em seguida temos alguns
versos que podem ocasionar um travamento na leitura, tanto por sua pontuação
quanto pela organização sintática. Tentarei, entretanto, esclarecê-los.
O poeta, “é
como o paralítico que (...) puxa e repuxa a língua”: eis a estrutura principal.
O mais que existe, entre estas duas expressões, é aposto ou complemento verbal. Logo, trabalhando as
microestruturas sintáticas, nos vários níveis que se apresentam, temos que “o
paralítico está à míngua”, “o paralítico... com os dedos brutos...” e, como já
dito, “o paralítico... puxa e repuxa...”.
Assim, tendo
sido elucidada a organização textual, passemos ao segundo verso do primeiro
terceto. Incapaz de reagir, o paralítico (que, já sabemos, é comparável ao
artista e, portanto, podemos tomar o que é dito como aplicável a este último)
está “à míngua / da própria voz”: sente sua voz, sua capacidade de expressão,
escassa. Logo, o poeta, comparável a este paralítico, certamente também sente
que sua subjetividade já não possui forças para traçar a mais simples estrofe
no papel, para soletrar o mais singelo verso.
Em seguida,
prosseguindo na comparação, vemo-lo imerso numa “ardente febre de em vão falar
que o lavra”, se colocarmos o período em ordem. Além de imóvel, sem possível
reação, posto que “paralítico”, agora o artista padece de forte febre,
proporcionada pelas tentativas “em vão” de pronunciar ou escrever alguma coisa.
A utilização do pronome oblíquo átono “o” traz algo inusitado: o
paralítico/artista “é lavrado”, e a ação é executada pela febre. Levando em
conta que “lavrar”, de acordo com o Aurélio,
pode possuir vários sentidos, como preparar a terra, sulcar, lapidar corroer,
etc., acreditamos que o mais adequado ao caso em análise é o de “corroer”. Logo,
finalizando a compreensão do trecho em análise, temos um indivíduo corroído
pela ardente febre que a busca vã pela expressão lhe causa.
E é da parte
final do primeiro verso da última estrofe que nos vem uma imagem desoladora.
Representa-a a expressão “com os dedos brutos”. E dizemos “desoladora” porque
ela surge a propósito de nos falar da degradação do humano. Isto, aplicado ao
artista, seguindo ainda a comparação proposta, representa praticamente uma
regressão. Ora, na primeira estrofe tínhamos um artista que empreendia uma
amarga luta para exteriorizar o pensamento que guardava nas “fronetais
células”. Ele sofria, mas havia uma “busca” pela expressão. Havia, portanto,
uma atitude racional de quem procurava expor suas ideias e, diante das
dificuldades surgidas, não se rendia. Pouco a pouco, entretanto, fomos vendo
esse artista perder o autocontrole, começar a “tremer”, rasgar o papel... Mais
a frente ele já é comparado com um paralítico, alguém já totalmente submetido
aos jugos da impossibilidade criadora. Agora, como que descendo cada vez mais,
surge, a partir da imagem do paralítico e sua luta em busca da expressão, como
um bruto, alguém totalmente desprovido de racionalidade e que em gestos quase
animalescos, tenta na força física extrair de si alguma palavra. Ver-se
comparável a alguém bruto, para o artista, que busca sempre a beleza estética e
as sondagens da alma, é, certamente, o
pior dos cenários.
Se acima
falamos em gestos “animalescos” foi porque o pensamento racional não conceberia
tal impulso, posto que dificilmente o “puxar a língua” consegue exibir a
palavra que a mente não imaginou. Mas, é justamente esta a ideia que surge nos
dois primeiros versos da última estrofe quando pensamos no poeta enquanto
aquele que usa “os dedos brutos”. Na busca por falar, o artista, já paralisado,
já acometido por forte febre, já brutalizado, “com os dedos brutos (...) puxa e
repuxa a língua”. O resultado, como seria óbvio esperar, é nulo: “e não lhe vem
à boca uma palavra!”.
No início
deste ensaio citamos o trecho de Monólogo
de uma sombra: “a podridão me serve de Evangelho!”. Com tal certeza
apresentada pelo próprio eu lírico não é de estranhar que, quando tratando de
sua relação com a arte, o clima seja também marcado pelo viés negativista, uma
vez que ali também há a presença da degradação. Foi justamente isto que
observamos no poema que acabamos de analisar. Pouco a pouco, diante da luta
inglória para produzir algo, o artista se foi degradando, perdendo suas forças
e sua capacidade de controle. E é assim que ele surge corroído no primeiro
terceto e brutalizado no último.
Todavia,
observando o livro como um todo, percebemos que a certeza da degradação e a
incapacidade de produzir a arte que deseja (presente em O martírio do artista e A
ideia) não desestimulam o eu lírico a produzir. Pelo contrário, ele
resiste, permanece sondando a condição humana e mesmo o próprio sentido de sua
poesia. Assim nos diz em Gemidos de arte:
Súbito,
arrebentando a horrenda calma,
Grito,
e se grito é para que meu grito
Seja
a revelação deste Infinito
Que
eu trago encarcerado na minh'alma! (p. 85)
A estrofe
destacada é a penúltima de um total de quarenta e duas presentes no texto.
Portanto, ela surge marcando uma reação ao que sucedera antes. Até então ele
apenas observava uma série de acontecimentos e imagens sombrias (“o cupim negro
broca o âmago fino / do teto”, p. 83) e confessava suas opiniões e desejos
(“Gosto do sol ignívomo e iracundo”, idem; “seja este sol meu último consolo”,
p. 84). Porém, “súbito, arrebentando a horrenda calma”, ele parece perceber que
seu destino é outro. E por isso “grita”, se expressa, desabafa os seus
sentimentos. Novamente a imagem da ideia presa (como se fosse inalcançável,
inatingível), guardada num ponto ermo do cérebro: “que trago encarcerado na
minh’alma”. Certamente esse grito não se dá de forma pacífica. Provavelmente em
algum momento o “infinito” que ele traz consigo esbarrará novamente em algum
obstáculo, mas sua poesia é uma arma de resistência e ele permanecerá lutando
(ainda que, paradoxalmente, ele saiba que essa luta é inútil).
Estou ciente
de que muitas outras considerações poderiam ser apresentadas e outros textos
poderiam ser explorados. Mas a escolha por O
martírio do artista não se deu sem propósito. É que este texto, ao
contrário de A ideia, por exemplo,
que apenas citei, ainda não tem uma grande quantidade de leituras. Logo, embora
muitos textos que tocam na questão da concepção de arte em Augusto dos Anjos
tenham sido citados apenas de forma resumida, optei por me deter naquele que
ainda não foi explorado em todas as suas possibilidades para, desta forma,
ampliar o leque de estudo para aqueles que desejam se iniciar na poesia do
autor de Debaixo do tamarindo.
Perceba-se que
o foco adotado esteve direcionado para o Eu,
não considerando os poemas que estão presentes em Outras poesias, parte que reúne textos não compilados pelo poeta em
sua primeira publicação e que só depois de sete anos (em 1919) foram agregados
aos outros já publicados, a partir da seleção feita por Orris Soares. Assim,
por exemplo, não considerei Apocalipse
(p. 147), texto que tem uma postura bem diferente dos aqui analisados (contendo
expressões como “Minha divinatória arte” e “eu só (...) A única luz
tragicamente acesa”). A presença de um poema como este entre os “outros poemas”
não invalida, a meu ver, as colocações aqui tecidas. Ao contrário, não fazendo
parte da publicação idealizada pelo próprio Augusto, creio que o referido poema
não constituía propriamente um modelo de sua visão de mundo.
Além disto, O martírio é um dos textos que melhor
se poderiam prestar ao propósito adotado, pois há nele não apenas a dificuldade
de se expressar, elemento tão comum nos poemas metalinguísticos, mas,
principalmente, a imagem daquele que talvez não sofra porque não consegue
escrever, mas sim daquele que não consegue escrever porque sofre.
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NOTAS:
1 – Livro originalmente publicado em 1912. A edição
que utilizei aqui para as citações foi a Toda poesia de Augusto dos
Anjos (2020). Para ver a referência completa, acesse a página das
referências.
2 - Termo de origem alemã que significa
“motivos geradores”.
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Professor
Weslley Barbosa