28/04/2022

LINGUÍSTICA: introdução à ciência da linguagem


De modo geral, pode-se apresentar um conceito de linguística partindo-se do pressuposto de que ela é a ciência da linguagem (ROBINS, 1981; COSERIU, 1986) ou estudo científico da linguagem (DUBOIS et al, 2006; LYONS, 2013; PETTER, 2019; CUNHA; COSTA; MARTELOTTA, 2020). Nesse sentido, à linguística interessam todos os aspectos relacionados com a linguagem, desde os sistemas linguísticos, passando pela estruturação do discurso, os determinantes psíquicos da linguagem, os atos de fala, os gêneros textuais de que se valem os falantes, o contexto de produção e recepção, as relações de poder em jogo na comunicação etc.

 

        Sobre essa enorme variedade de que tratamos acima, creio ser pertinente recorrermos ao trecho a seguir, tomado de Coseriu (1986, p. 11):

 

La lingüística, también llamada ciencia del languaje, glotología o glosología [...] es la ciencia que estudia desde todos los puntos de vista posibles el linguaje humana articulado, en general y en las formas específicas en que se realiza, es decir, en los actos lingüísticos y en los sistemas de isoglosas que, tradicionalmente o por convencíon, se llaman lenguas (grifos do autor).

 

Uma afirmação necessária para a correta delimitação da linguística é a de que ela não se preocupa com uma só variante da língua (leia nosso artigo sobre variação e uso). Ao contrário, qualquer fato linguístico constitui interesse de uma ciência da linguagem. É assim que Ferdinand de Saussure apresenta tal preocupação:

 

A matéria da Linguística é constituída inicialmente por todas as manifestações da linguagem humana, quer se trate de povos selvagens ou de nações civilizadas, de épocas arcaicas, clássicas ou de decadência, considerando-se em cada período não só a linguagem correta e a “bela linguagem”, mas todas as formas de expressão (SAUSSURE, 2012, p. 37).

 

Neste ponto a linguística afasta-se consideravelmente da abordagem dos estudos gramaticais normativistas. Não é que ela negue sua importância, mas, ao considerar todas as variações, ela deixa de adotar uma postura prescritiva e purista diante da linguagem. Diríamos que, embora a preocupação com a norma e o seu ensino possam ser uma vertente dos estudos linguísticos, os estudos linguísticos vão muito além e buscam superar o mero normativismo.

 

Por tudo o que ficou dito, percebe-se que a linguística se apresenta como uma área ampla e muito rica em abordagens. Por isso, não constitui tarefa fácil apresentá-la dentro de um espaço destinado ao mesmo tempo a ser didático e acessível a todos os públicos, sem perder a qualidade na exposição dos conceitos. Assim, nossa opção neste artigo é apresentar as preocupações gerais da Linguística, sem aprofundar nos interesses de nenhuma corrente e sem adentrar em pontos que causam controvérsia.

 

As bases da linguística moderna encontram-se na publicação do Curso de linguística geral, de Ferdinand de Saussure, em 1916. Não é que antes de Saussure o estudo da linguagem não fosse realizado. O que ocorre é que predominavam as abordagens normativas (visando o estabelecimento de regras para a preservação de uma determinada variedade linguística) ou históricas (como no século XIX, em que dominava a filologia, estudo das línguas do ponto de vista histórico-comparatista). Com Saussure a linguística passa a ter um método e um objeto de estudo¹.

 

O método da linguística passa pela verificação e pela descrição das realizações linguísticas, ou seja, pela observação e pelo mapeamento das utilizações que os falantes fazem das línguas naturais. Ao linguista, portanto, não interessa impor uma norma, um modelo sobre o que deve ser utilizado. Seu objetivo é, verdadeiramente, descrever a língua das formas como ela se apresenta. Francisco da Silva Borba explica essa questão:

 

Qualquer que seja o enfoque dado ao seu trabalho, o linguista não se preocupa com orientar o uso: observa, analisa, descreve o que as pessoas dizem (ou podem vir a dizer), mas não prescreve o que elas deveriam dizer, pelo menos em termos de alguma norma exterior à própria natureza do sistema (BORBA, 2008, p. 77).

 

Quanto ao objeto da linguística, é importante ter em mente, antes de mais nada, que a linguística tem evoluído muito desde a publicação do Curso de linguística geral. Lá, Saussure definia como objeto da linguística a língua, por considerá-la passível de análise, de sistematização. Já a linguagem, para ele, era “multiforme e heteróclita”, pertencente ao “domínio individual” e ao “domínio social”, o que fazia com que ela não “se deixasse classificar”. Ora, sabemos que a linguística moderna tem em suas vertentes se voltado de modo bastante claro para o domínio social (sendo a sociolinguística um exemplo) e o domínio individual (vários estudos da linguística aplicada vão nessa direção), como também muito se interessa pela multiplicidade de domínios da linguagem, não apenas enquanto texto, mas como multi-textos, com imagens, sons etc. À linguística interessa até mesmo a linguagem antes dela acontecer, de onde surgem os estudos sobre a aquisição da linguagem.

 

Por isso, é perfeitamente cabível, atualmente, estabelecer que o objeto da linguística é nada menos que a linguagem, concretizada a partir dos vários gêneros textuais que circulam na sociedade. É por isso que a um linguista pode interessar tanto o texto de uma carta, de um documento, quanto uma charge sem nenhuma palavra, uma placa etc. É por isso que ao linguista são tão caras as noções de linguagem verbal e não-verbal. Se prevalece a análise do texto, escrito ou oral, é porque, em verdade, a linguagem humana é predominantemente materializada por meio de uma língua natural, seja nos mais elaborados gêneros escritos, seja na mais cotidiana conversa entre amigos. Entretanto, não se pode dizer que a linguística se preocupa apenas com o texto escrito e, muito menos, com a estrutura de uma língua.

 

Poder-se-ia afirmar, inclusive, que modernamente a língua em si é interesse muito mais dos estudos gramaticais em sentido estrito do que dos estudos linguísticos. Estes últimos têm se interessado mesmo por aquilo que extrapola a língua em si mesma. Todavia, se aqui estabelecemos essa distinção foi apenas para dar um panorama ao estudante de como se tem apresentado a questão. Em verdade, vemos os estudos gramaticais como parte dos estudos linguísticos e, justamente por isso, nossa página traz, harmonicamente, conceitos das duas abordagens.

 

A linguística pode ser dividida da seguinte forma, de acordo com sua forma de abordagem:

 

Linguística geral: é o ramo da linguística que estabelece os métodos e o instrumental necessários para o estudo das línguas naturais.

Linguística descritiva: é o estudo e a descrição de uma língua buscando perceber como ela se apresenta em determinado momento de seu desenvolvimento.

Linguística histórica: é o estudo das transformações de uma língua ao longo do tempo. Busca-se verificar as bases de seu surgimento e os determinantes de sua evolução.

Linguística teórica: é o estudo dos mecanismos de comunicação e utilização das línguas. Busca-se determinar características e modelos gerais comuns a todas as línguas e a forma como os falantes se valem de tais aspectos.

Linguística aplicada: é, como o próprio nome já diz, a aplicação dos conceitos da linguística teórica. É um ramo muito frutífero na área de ensino de línguas e um dos mais populares em cursos de letras na atualidade.

 

Para melhor compreender a linguística, leia outros artigos relacionados a este tema:

 

Gramática

Linguagem

 

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Nota:

 

1 – Cada vez mais estudiosos vêm contestando a opinião (até bem pouco tempo aceita sem ressalvas) de que Saussure foi o “pai da linguística”. Sobre essa questão, indico a leitura da “Apresentação” que Carlos Alberto Faraco escreveu para a nova tradução brasileira do Curso de linguística geral (SAUSSURE, 2021).

 

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Professor Weslley Barbosa