De modo geral, pode-se
apresentar um conceito de linguística partindo-se do pressuposto de que ela é a
ciência da linguagem (ROBINS, 1981; COSERIU, 1986) ou estudo científico da linguagem (DUBOIS et al, 2006; LYONS, 2013; PETTER,
2019; CUNHA; COSTA; MARTELOTTA, 2020). Nesse sentido, à linguística
interessam todos os aspectos relacionados com a linguagem, desde os sistemas
linguísticos, passando pela estruturação do discurso, os determinantes
psíquicos da linguagem, os atos de fala, os gêneros textuais de que se valem
os falantes, o contexto de produção e recepção, as relações de poder em jogo na
comunicação
etc.
Sobre essa enorme variedade de que tratamos acima, creio ser
pertinente recorrermos ao trecho a seguir, tomado de Coseriu (1986, p. 11):
La lingüística, también llamada ciencia
del languaje, glotología o glosología [...] es la ciencia que
estudia desde todos los puntos de vista posibles el linguaje humana
articulado, en general y en las formas específicas en que se realiza, es
decir, en los actos lingüísticos y en los sistemas de isoglosas que,
tradicionalmente o por convencíon, se llaman lenguas (grifos do autor).
Uma afirmação necessária para
a correta delimitação da linguística é a de que ela não se preocupa com uma só variante da língua (leia nosso
artigo sobre variação e uso). Ao
contrário, qualquer fato linguístico
constitui interesse de uma ciência da linguagem. É assim que Ferdinand de
Saussure apresenta tal preocupação:
A
matéria da Linguística é constituída inicialmente por todas as manifestações da
linguagem humana, quer se trate de povos selvagens ou de nações civilizadas, de
épocas arcaicas, clássicas ou de decadência, considerando-se em cada período
não só a linguagem correta e a “bela linguagem”, mas todas as formas de
expressão (SAUSSURE, 2012, p. 37).
Neste ponto a linguística
afasta-se consideravelmente da abordagem dos estudos gramaticais normativistas.
Não é que ela negue sua importância, mas, ao
considerar todas as variações, ela deixa de adotar uma postura prescritiva e
purista diante da linguagem. Diríamos que, embora a preocupação com a norma
e o seu ensino possam ser uma vertente dos estudos linguísticos, os estudos
linguísticos vão muito além e buscam superar o mero normativismo.
Por tudo o que ficou dito,
percebe-se que a linguística se apresenta como uma área ampla e muito rica em
abordagens. Por isso, não constitui tarefa fácil apresentá-la dentro de um
espaço destinado ao mesmo tempo a ser didático e acessível a todos os públicos,
sem perder a qualidade na exposição dos conceitos. Assim, nossa opção neste artigo é apresentar as preocupações gerais da
Linguística, sem aprofundar nos interesses de nenhuma corrente e sem
adentrar em pontos que causam controvérsia.
As
bases da linguística moderna encontram-se na publicação do Curso de linguística geral, de Ferdinand de Saussure, em 1916. Não é que antes de Saussure
o estudo da linguagem não fosse realizado. O que ocorre é que predominavam as abordagens normativas
(visando o estabelecimento de regras para a preservação de uma determinada
variedade linguística) ou históricas
(como no século XIX, em que dominava a filologia, estudo das línguas do ponto
de vista histórico-comparatista). Com Saussure a linguística passa a ter um
método e um objeto de estudo¹.
O
método da linguística passa pela verificação e pela descrição das realizações
linguísticas,
ou seja, pela observação e pelo mapeamento das utilizações que os falantes
fazem das línguas naturais. Ao linguista, portanto, não interessa impor uma
norma, um modelo sobre o que deve ser utilizado. Seu objetivo é,
verdadeiramente, descrever a língua das formas como ela se apresenta. Francisco
da Silva Borba explica essa questão:
Qualquer
que seja o enfoque dado ao seu trabalho, o linguista não se preocupa com
orientar o uso: observa, analisa, descreve o que as pessoas dizem (ou podem vir
a dizer), mas não prescreve o que elas deveriam dizer, pelo menos em termos de
alguma norma exterior à própria natureza do sistema (BORBA, 2008, p. 77).
Quanto ao objeto da
linguística, é importante ter em mente, antes de mais nada, que a linguística
tem evoluído muito desde a publicação do Curso
de linguística geral. Lá, Saussure definia como objeto da linguística a
língua, por considerá-la passível de análise, de sistematização. Já a
linguagem, para ele, era “multiforme e heteróclita”, pertencente ao “domínio
individual” e ao “domínio social”, o que fazia com que ela não “se deixasse
classificar”. Ora, sabemos que a linguística moderna tem em suas vertentes se
voltado de modo bastante claro para o domínio social (sendo a sociolinguística
um exemplo) e o domínio individual (vários estudos da linguística aplicada vão
nessa direção), como também muito se interessa pela multiplicidade de domínios
da linguagem, não apenas enquanto texto,
mas como multi-textos, com imagens, sons etc. À linguística interessa até mesmo
a linguagem antes dela acontecer, de onde surgem os estudos sobre a aquisição
da linguagem.
Por isso, é perfeitamente cabível, atualmente,
estabelecer que o objeto da linguística é nada menos que a linguagem,
concretizada a partir dos vários gêneros textuais que circulam na sociedade.
É por isso que a um linguista pode interessar tanto o texto de uma carta, de um
documento, quanto uma charge sem nenhuma palavra, uma placa etc. É por isso que
ao linguista são tão caras as noções de linguagem verbal e não-verbal. Se
prevalece a análise do texto, escrito ou oral, é porque, em verdade, a
linguagem humana é predominantemente materializada por meio de uma língua
natural, seja nos mais elaborados gêneros escritos, seja na mais cotidiana
conversa entre amigos. Entretanto, não se pode dizer que a linguística se
preocupa apenas com o texto escrito e, muito menos, com a estrutura de uma
língua.
Poder-se-ia afirmar,
inclusive, que modernamente a língua em
si é interesse muito mais dos estudos gramaticais em sentido estrito do que dos
estudos linguísticos. Estes últimos têm se interessado mesmo por aquilo que
extrapola a língua em si mesma. Todavia, se aqui estabelecemos essa distinção
foi apenas para dar um panorama ao estudante de como se tem apresentado a
questão. Em verdade, vemos os estudos gramaticais como parte dos estudos
linguísticos e, justamente por isso, nossa página traz, harmonicamente, conceitos das duas abordagens.
A linguística pode ser
dividida da seguinte forma, de acordo com sua forma de abordagem:
Linguística
geral: é o ramo da linguística que estabelece os métodos
e o instrumental necessários para o estudo das línguas naturais.
Linguística
descritiva: é o estudo e a descrição de uma língua buscando
perceber como ela se apresenta em determinado momento de seu desenvolvimento.
Linguística
histórica: é o estudo das transformações de uma língua ao
longo do tempo. Busca-se verificar as bases de seu surgimento e os
determinantes de sua evolução.
Linguística
teórica: é o estudo dos mecanismos de comunicação e
utilização das línguas. Busca-se determinar características e modelos gerais
comuns a todas as línguas e a forma como os falantes se valem de tais aspectos.
Linguística aplicada: é,
como o próprio nome já diz, a aplicação dos conceitos da linguística teórica. É
um ramo muito frutífero na área de ensino de línguas e um dos mais populares em
cursos de letras na atualidade.
Para melhor compreender a linguística, leia outros
artigos relacionados a este tema:
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Nota:
1
– Cada vez mais estudiosos vêm contestando a opinião (até bem pouco tempo
aceita sem ressalvas) de que Saussure foi o “pai da linguística”. Sobre essa
questão, indico a leitura da “Apresentação” que Carlos Alberto Faraco escreveu
para a nova tradução brasileira do Curso de linguística geral (SAUSSURE, 2021).
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Professor
Weslley Barbosa