11/07/2019

CRÔNICA: origens e características


SITUANDO A CRÔNICA

 

A crônica é um dos gêneros literários incluídos no conjunto que compõe o modo narrativo de expressão, junto com o conto, o romance, a fábula etc. Em decorrência disso, sua estrutura pode nos levar a confundi-la com o conto, que também é uma espécie narrativa. É justamente por isso que Hênio Tavares (2002) chega a definir a crônica como “uma espécie de conto curto, ou narrativa condensada”. Na verdade, devido à sua natureza narrativa, ambos possuem certas características em comum, como o fato de possuírem um enredo, de poderem ter personagens, de transcorrerem dentro de aspectos como tempo (um período do dia, um dia completo, uma semana…) e espaço (um escritório, um restaurante, uma residência…).

 

Nem sempre será possível estabelecer com precisão essa fronteira, e chegaremos mesmo a nos deparar com um texto como “Frango tite”, de Ferreira Gullar, considerado crônica, mas passível de figurar em qualquer livro de conto, sem causar com isso qualquer estranhamento por parte do leitor.

 

Todavia, a dificuldade do objeto não impede o trabalho do estudioso e, mesmo diante das dificuldades, é possível sim apresentar um conceito para a crônica a partir de certas características originais, que a tornam única entre as demais formas de produção literária. Comecemos pela origem de seu nome.

 

ORIGEM DO TERMO (ETIMOLOGIA)

 

O termo crônica tem origem na palavra grega khronikós, derivado de khrónos, que significa “tempo” (MOISÉS, 2012, p. 623). De início, ela constava de relatos históricos de viagens, acontecimentos, achados científicos etc. Nesse sentido, havia bastante coerência entre a origem do nome crônica e sua realização enquanto texto propriamente dito.

 

Segundo José Castello, em seu belo ensaio “Crônica, um gênero brasileiro”, essa origem atrelada ao relato de viagens e acontecimentos estaria ligada ao estatuto de “verdade” que a crônica ainda possui, de modo que “se o cronista diz que foi à padaria, ou que esteja em uma festa, aquilo deve, de fato, ter acontecido, o leitor se apressa a concluir” (2012, p. 20).

 

A CRÔNICA HOJE

 

Hoje, a crônica mudou bastante, apesar de ainda possuir sua relação com o tempo. Embora não mais tenha o caráter de relato histórico, a crônica moderna liga-se intimamente com o período em que é produzida. Da forma como a conhecemos atualmente (como forma literária), ela popularizou-se a partir das páginas de jornais e revistas, ainda no século XIX (COUTINHO, 2008) e, justamente por isso, ficou marcada por ser uma produção muito ligada aos acontecimentos de um dia, ou de uma semana. Segundo Antonio Candido (2003, p. 90), ela “não tem pretensões a durar, uma vez que é filha do jornal e da era da máquina, onde tudo acaba tão depressa”.

 

Assim, o escritor passou a buscar inspiração para o seu texto em algum fato ocorrido recentemente, como um evento na cidade, uma agitação no âmbito da política, o falecimento de alguém, ou mesmo algo muito pessoal, ocorrido com ele próprio. Essa ligação com o momento de sua produção poderia dar à crônica algo como “uma validade”, como se ela já nascesse com a sina de perder o seu sentido ou razão de ser com o passar do tempo. Todavia, frequentemente encontramos exemplos de escritores que alcançam a habilidade suficiente para transformar o fato momentâneo na inspiração para comentários e colocações que possam ser universais e atemporais. Bastaria citar como exemplo disso a crônica de Machado de Assis sobre a chegada dos bondes elétricos ao Rio de Janeiro, publicada originalmente em 16 de outubro de 1892 e ainda hoje capaz de despertar importantes reflexões.

 

Nesse sentido, por mais que o fato que desencadeou a crônica tenha relação com um determinado período, o escritor consegue retirar daquilo uma reflexão e uma validade que supera as barreiras do tempo. Tal habilidade não costuma ser difícil de alcançar por grandes escritores, como Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Affonso Romano de Sant’Anna, Ferreira Gullar, Rubem Braga etc.

 

CARACTERÍSTICAS

 

Retomando alguns pontos que já foram expostos e adentrando mais na estrutura do próprio texto, pode-se dizer que a crônica:

 

1 – Possui forte ligação com o contexto de sua produção;

 

2 – Geralmente narra fatos do cotidiano, principalmente dos grandes aglomerados urbanos;

 

3 – As personagens que surgem numa crônica podem ser reais (como um artista, uma autoridade, um escritor, um cidadão comum etc.) ou fictícias, frutos da criatividade do escritor;

 

4 – Do ponto de vista do narrador, o texto apresenta-se como resultado de um olhar pessoal, subjetivo, em relação a um fato qualquer do cotidiano;

 

5 – Por isso, a crônica pode conter opiniões, metáforas, comparações, entre outros. É sempre um texto que, por mais que se baseie em fatos reais, pode alcançar características de boa ficção e inventividade pessoal.

 

6 – Constitui-se, ainda, como um texto que ocupa um lugar entre a narrativa e a poesia, por seu olhar subjetivo.

 

7 – Quanto à linguagem, é comum a recorrência à coloquialidade, fato que se explica evidentemente pelo caráter cotidiano e aparentemente banal dos temas ali tratados;

 

8 – Mesmo tendo surgido no âmbito jornalístico (jornais, revistas, suplementos etc.), ao longo do tempo a crônica ganhou outros suportes: sites, blogues, e, claro, pode também aparecer em livros.

 

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Professor Weslley Barbosa