SITUANDO A CRÔNICA
A crônica é um dos gêneros literários incluídos no
conjunto que compõe o modo narrativo de expressão, junto com o conto, o romance, a fábula etc. Em
decorrência disso, sua estrutura pode nos levar a confundi-la com o conto, que
também é uma espécie narrativa. É justamente por isso que Hênio Tavares (2002)
chega a definir a crônica como “uma espécie de conto curto, ou narrativa
condensada”. Na verdade, devido à sua natureza narrativa, ambos possuem certas
características em comum, como o fato de possuírem um enredo, de poderem ter
personagens, de transcorrerem dentro de aspectos como tempo (um período do dia,
um dia completo, uma semana…) e espaço (um escritório, um restaurante, uma
residência…).
Nem sempre
será possível estabelecer com precisão essa fronteira, e chegaremos mesmo a nos
deparar com um texto como “Frango tite”, de Ferreira Gullar, considerado
crônica, mas passível de figurar em qualquer livro de conto, sem causar com
isso qualquer estranhamento por parte do leitor.
Todavia, a
dificuldade do objeto não impede o trabalho do estudioso e, mesmo diante das
dificuldades, é possível sim apresentar um conceito para a crônica a partir de
certas características originais, que a tornam única entre as demais formas de
produção literária. Comecemos pela origem de seu nome.
ORIGEM DO TERMO (ETIMOLOGIA)
O termo crônica tem origem na palavra grega khronikós, derivado de khrónos, que significa “tempo” (MOISÉS, 2012,
p. 623). De início, ela constava de relatos históricos de viagens,
acontecimentos, achados científicos etc. Nesse sentido, havia bastante
coerência entre a origem do nome crônica
e sua realização enquanto texto propriamente dito.
Segundo José
Castello, em seu belo ensaio “Crônica, um gênero brasileiro”, essa origem
atrelada ao relato de viagens e acontecimentos estaria ligada ao estatuto de “verdade”
que a crônica ainda possui, de modo que “se o cronista diz que foi à padaria,
ou que esteja em uma festa, aquilo deve, de fato, ter acontecido, o leitor se
apressa a concluir” (2012, p. 20).
A CRÔNICA HOJE
Hoje, a
crônica mudou bastante, apesar de ainda possuir sua relação com o tempo. Embora não mais tenha o caráter de relato
histórico, a crônica moderna liga-se intimamente com o período em que é
produzida. Da forma como a conhecemos atualmente (como forma literária),
ela popularizou-se a partir das páginas de jornais e revistas, ainda no século
XIX (COUTINHO, 2008) e, justamente por isso, ficou marcada por ser uma produção
muito ligada aos acontecimentos de um dia, ou de uma semana. Segundo Antonio
Candido (2003, p. 90), ela “não tem pretensões a durar, uma vez que é filha do
jornal e da era da máquina, onde tudo acaba tão depressa”.
Assim, o escritor passou a buscar inspiração para
o seu texto em algum fato ocorrido recentemente, como um evento na cidade,
uma agitação no âmbito da política, o falecimento de alguém, ou mesmo algo
muito pessoal, ocorrido com ele próprio. Essa ligação com o momento de sua
produção poderia dar à crônica algo como “uma validade”, como se ela já
nascesse com a sina de perder o seu sentido ou razão de ser com o passar do
tempo. Todavia, frequentemente encontramos exemplos de escritores que alcançam
a habilidade suficiente para transformar o fato momentâneo na inspiração para
comentários e colocações que possam ser universais e atemporais. Bastaria citar
como exemplo disso a crônica de Machado de Assis sobre a chegada dos bondes elétricos
ao Rio de Janeiro, publicada originalmente em 16 de outubro de 1892 e ainda
hoje capaz de despertar importantes reflexões.
Nesse sentido,
por mais que o fato que desencadeou a crônica tenha relação com um determinado
período, o escritor consegue retirar daquilo uma reflexão e uma validade que
supera as barreiras do tempo. Tal habilidade não costuma ser difícil de
alcançar por grandes escritores, como Carlos Drummond de Andrade, Fernando
Sabino, Affonso Romano de Sant’Anna, Ferreira Gullar, Rubem Braga etc.
CARACTERÍSTICAS
Retomando
alguns pontos que já foram expostos e adentrando mais na estrutura do próprio
texto, pode-se dizer que a crônica:
1 – Possui
forte ligação com o contexto de sua produção;
2 – Geralmente
narra fatos do cotidiano, principalmente dos grandes aglomerados urbanos;
3 – As
personagens que surgem numa crônica podem ser reais (como um artista, uma
autoridade, um escritor, um cidadão comum etc.) ou fictícias, frutos da
criatividade do escritor;
4 – Do ponto
de vista do narrador, o texto apresenta-se como resultado de um olhar pessoal,
subjetivo, em relação a um fato qualquer do cotidiano;
5 – Por isso,
a crônica pode conter opiniões, metáforas, comparações, entre outros. É sempre
um texto que, por mais que se baseie em fatos reais, pode alcançar
características de boa ficção e inventividade pessoal.
6 –
Constitui-se, ainda, como um texto que ocupa um lugar entre a narrativa e a
poesia, por seu olhar subjetivo.
7 – Quanto à
linguagem, é comum a recorrência à coloquialidade, fato que se explica
evidentemente pelo caráter cotidiano e aparentemente banal dos temas ali
tratados;
8 – Mesmo
tendo surgido no âmbito jornalístico (jornais, revistas, suplementos etc.), ao
longo do tempo a crônica ganhou outros suportes: sites, blogues, e, claro, pode
também aparecer em livros.
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Professor
Weslley Barbosa